quarta-feira, 20 de agosto de 2008

O Conto Sonoro, uma forma de explorar a escrita musical.

Texto de Renata de Oliveira Pavaneli Frederico (Escola de Educação Infantil Casa da Gente – Campinas - SP)

“A música é a linguagem que se traduz em formas sonoras
capazes de expressar e comunicar sensações, sentimentos e
pensamentos, por meio da organização e relacionamento
expressivo entre o som e o silêncio”.
(BRITO 1998, p.45)


A música sempre recebeu um papel importante na vida dos povos, fazendo parte de rituais que simbolizavam a vida e a morte. Como arte foi a que mais tardiamente se caracterizou, sendo transmitida de forma oral até 1000 anos atrás aproximadamente.
A forma de representar a linguagem musical sofreu transformações ao longo da história, transformações estas que, ainda continuam acontecendo.
Porém a forma de representação mais utilizada nos dias atuais para a escrita musical é a partitura, com a pauta, claves, barras de compasso, figuras que representam o som e o silêncio, e outros sinais que formam o conjunto de símbolos desta forma de escrita.
Diferente da língua escrita e da matemática, a linguagem musical forma um conjunto de símbolos que está pouco presente em nosso meio ambiente e só é ensinado a um pequeno número de indivíduos. Também recebe uma importância cultural mínima se compararmos com outras formas de comunicação e expressão.
Mesmo sem compreender a forma de representação da música, ela está presente em nosso cotidiano. Um bebê toma contato com diferentes sons e ritmos ao ouvir o canto de sua mãe, ao participar de eventos em que a música se faz presente.
Os primeiros contatos com a música como um campo do saber pode acontecer a partir dos oito meses de idade em aulas de musicalização infantil.
Este trabalho que tem como objetivo principal estimular e desenvolver na criança o prazer de ouvir e fazer música pode acontecer nos mais deferentes espaços como escolas de ensino especializado em música, creches, clubes, escolas de educação infantil entre outros.
Após esse período, quando a criança tem entre os cinco e seis anos de idade, ela tem possibilidades de participar de atividades que envolvam o aprendizado da leitura e escrita musical, pois concomitante ao aprendizado da leitura e escrita alfabética e ao conhecimento e domínio da linguagem matemática, a criança manifesta um interesse crescente em aprimorar seus conhecimentos em áreas que antes utilizava de forma intuitiva e espontânea.

Nesta etapa muitos recursos podem ser utilizados, entre eles a história sonorizada, ou conto sonoro, que forma uma etapa preliminar no aprendizado da leitura e escrita musical, pois promove o contato e o conhecimento inicial dessa escrita utilizando um recurso que atrai muito as crianças: a leitura de histórias infantis, que fornecem um rico e abundante material para ser utilizado nas aulas de música, além de estimular o prazer da leitura. Não é necessário que o texto tenha referência a instrumentos musicais ou um tema específico de música, basta oferecer elementos para que o professor possa com sua criatividade desenvolver uma atividade lúdica para seus alunos ressaltando os elementos que propiciam a criação de símbolos gráficos para representar os eventos sonoros.
Segundo MOURA (1989), é possível trabalhar os mais variados assuntos com crianças partindo de elementos e situações já conhecidas e vivenciadas por elas assim, a leitura de uma história infantil pode despertar na criança o interesse em diversas atividades, que envolvem desde o registro da história com desenhos, a construção de pequenas maquetes formando os cenários e a representação sonora.

O conto sonoro

O trabalho aqui descrito contou com a participação de quatro crianças, com seis anos de idade, alunas de uma escola da rede particular de educação infantil da cidade de Campinas, interior do estado de São Paulo. As atividades foram realizadas nas aulas de musicalização infantil, que acontecem uma vez por semana com a duração de 60 minutos sendo a professora da disciplina especialista em música.
A idéia inicial para a realização do trabalho foi um interesse muito forte do grupo em ler e escrever, que chegou no espaço das aulas de musicalização com o questionamento das crianças a respeito de como a professora fazia para tocar no teclado as músicas que cantavam, dançavam e acompanhavam com instrumentos. Como a escola não tem como meta do trabalho de educação musical a alfabetização (em música) de seus alunos, pois não é uma escola especializada, foi importante buscar alternativas de trabalho que permitissem ao grupo de alunos tomar contato com a escrita musical de forma prazerosa.
Diante de tais circunstâncias o recurso da sonorização de histórias foi a melhor opção, e a seleção do título da história não foi feita de forma aleatória, mas houve a intenção de ler para o grupo uma história que todos conhecessem previamente para que as crianças ficassem mais atentas à proposta do trabalho e não ao contexto da história em si.
O objetivo principal da atividade foi levar o grupo de alunos a elaborarem uma representação escrita para os sons produzidos pelos personagens da história Os três Porquinhos. A versão que foi utilizada é uma adaptação de Lidia Chaib e Mônica Rodrigues da Costa, ilustrada por Maria Eugênia, editada pela PubliFolha em 2000.
Esse trabalho intitulado de Conto Sonoro “consiste no relato de uma história, improvisada ou não, cuja finalidade é ressaltar os elementos sonoros que a constituem” (MOURA, 1986, p. 15).
Sobre a relevância da leitura de histórias na educação infantil é importante salientar que:
“A importância da história no cotidiano das crianças é inquestionável. Ouvindo e, depois, criando histórias, elas estimulam sua capacidade inventiva, desenvolvem o contato e a vivência com a linguagem oral e ampliam recursos que
incluem o vocabulário, as entonações expressivas, as articulações, enfim, a musicalidade própria da fala”. (BRITO 2003, p.161).


Os passos do trabalho

O trabalho foi desenvolvido durante quatro aulas de musicalização (quatro semanas). Na primeira aula a professora contou para o grupo toda a história, sem chamar a atenção para as possíveis situações do texto que as crianças poderiam utilizar para representar os sons.
Na semana seguinte a história foi retomada e as crianças receberam a explicação sobre o que deveriam fazer. Foram muitas dúvidas, interrogações tudo era muito diferente e houve uma breve turbulência na aula, que misturava ansiedade, entusiasmo, dúvida e curiosidade. Era a primeira vez que o grupo participava desse tipo de atividade.
As questões foram muitas:
- Posso desenhar o lobo?
- E os porquinhos?
- Como vamos fazer o barulho das pegadas?
- Preciso escrever lobo se não posso desenhá-lo?
- Como posso fazer o lobo soprando a casa?
Para todas as questões a resposta foi sempre a mesma:
- É preciso colocar no papel o som de algumas partes do texto, de forma que vocês lembrem-se na semana que vem do que registraram e que também outros colegas entendam o que vocês fizeram.
Ofereci para o grupo materiais como papel colorido, cola, tesoura, cascas de isopor, palitos de sorvete, retalhos de eva e giz de cera. Retomei o texto fazendo interrupções para que os registros fossem elaborados.
Primeiramente as crianças resolveram que cada uma faria seu trabalho individualmente selecionando os materiais que gostaria de utilizar, e em seguida registraram a saída dos porquinhos de casa. Foi possível observar que eles estavam neste momento muito envolvidos em fazer um registro artístico do texto, não foram feitas muitas intervenções por parte da professora e a preocupação com a representação sonora não aconteceu nesta etapa.
Como a tarefa demandou muito tempo, decidiram (as crianças) que era melhor fazer em grupo, mas continuaram a representar cenas da história, fazendo desta vez cada uma das casas dos porquinhos. Nesta etapa ainda foi possível observar uma preocupação muito grande do grupo em registrar uma parte do texto, e não os sons de cada personagem. As crianças foram muito organizadas na divisão das tarefas e nas sugestões que cada uma propunha para o trabalho.
Somente no momento em que o lobo começa a destruir as casas dos porquinhos é que as crianças começaram a registrar os eventos sonoros propriamente e cada uma preferiu fazer seu próprio registro.
Neste momento destaco a produção de uma única criança, por ser ela a que mais se aproximou dos objetivos do trabalho e também porque os demais alunos conseguiram perceber o envolvimento da colega na atividade e de certa forma pararam por um breve período de tempo com suas criações para participarem dando opiniões e tecendo comentários a respeito do que a amiga estava fazendo.
Foi como se tivesse dado um “estalo” no grupo. Eles compreenderam que traços, pontos e que a intensidade da cor no desenho poderiam traduzir no papel o que todos estavam procurando fazer com a própria voz. Começaram a experimentar várias intensidades de sopro, deixaram objetos caírem para poderem ouvir a intensidade do som e como aconteceu em aulas anteriores, houve um certo alvoroço. Eles descobriram algo novo!
O trabalho, depois de concluído conseguiu traduzir no papel o que o grupo buscou nas etapas anteriores. A história tinha agora um outro registro, que não eram os desenhos do livro, era a escrita dos sons.

Retomando e analisando

Buscou-se no desenvolvimento do trabalho, não somente ensinar uma nova forma de linguagem para o grupo de alunos, mas dar subsídios para que eles pudessem comunicar-se por meio de uma linguagem expressiva e muito atraente, proporcionando para a criança espaço e capacidade de expressar todo o seu potencial criador.
Como afirma VIGOTSKI (1987), não se deve duvidar que a lei básica da criação artística infantil consiste em que seu valor não reside somente no resultado, no produto da obra criadora; mas no processo. O principal não é o que escrevem as crianças, mas sim que elas mesmas são suas autoras, as criadoras, que se exercitam na imaginação criadora, na sua materialização.
O processo da criação da grafia musical recebeu uma valorização muito grande, não pelo resultado obtido, mas pelo caminho percorrido para se alcançar o objetivo proposto, oferecendo recursos para que as crianças fossem capazes de exercitar sua criatividade, construindo o conhecimento musical.
VYGOTSKI (1987) também ressalta a importância, quando se permite à criança exercitar seus anseios e hábitos criadores, dominando, assim, não só a linguagem como também o sutil e complexo instrumento de formular e transmitir os pensamentos humanos, seus sentimentos, o mundo interior do homem.
Embora implícito nas atividades, cada criança teve a oportunidade e o espaço de expor seu mais profundo pensamento, no momento em que pôde realizar cada uma delas.
Este foi o primeiro passo para a decodificação da escrita musical.

Considerações finais

Embora o trabalho tenha sido realizado em um curto período de aulas, é importante destacar o interesse e a motivação das crianças em participar de uma atividade considerada diferente das que habitualmente são realizadas nas aulas de musicalização.
Com a conclusão da tarefa, o envolvimento com a aula de música cresceu muito e também o interesse em participar de todas as atividades que são propostas. Dançar, ouvir músicas de compositores clássicos, cantar melodias do folclore brasileiro e também de outros países ganhou um novo significado.
Para esse grupo de alunos a música como linguagem ganhou outra roupagem e constituiu-se como uma nova possibilidade de comunicação e expressão com o mundo em que vivem.
A presença da música no contexto da educação infantil justifica-se com base em que todas as crianças têm possibilidade de desenvolver o estudo de uma arte, seja ela plástica, musical, entre outras; do que elas precisam, realmente, é viver dentro de um ambiente rico e variado e receber uma orientação adequada, para que sejam capazes de desenvolver a imaginação e a criatividade, tão fundamental em todas as manifestações artísticas e tão presentes nas primeiras etapas do desenvolvimento humano.

Bibliografia

BRITO, Teca Alencar de (1998). Música in Referencial Curricular Nacional
para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria
de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, Vol. 3 p. 45-79.
________(2003). Música na Educação Infantil. Propostas para a formação
integral da criança. São Paulo: Editora Fundação Peirópolis
CHAIB, Lidia; COSTA, Mônica Rodrigues da (2000) As Melhores Histórias de
Florestas. São Paulo: PubliFolha.
FREDERICO, Renata de Oliveira Pavaneli (2001). Uma proposta de
musicalização: o processo de ensino e aprendizagem da escrita e leitura
musical. Dissertação de Mestrado. São Carlos: UFSCar.
ISAACS, Alan; MARTIN, Elizabeth (1985). Dicionário de Música. Rio de
Janeiro, Zahar Editores e Luiz Paulo Horta.
MOURA, Ieda Camargo de; BOSCARDIN, Maria Teresa Trevisan; ZAGONEL,
Bernadete (1989). Musicalizando Crianças. Teoria e prática da educação
musical. São Paulo: Editora Ática.
SCLIAR, Esther (1985). Elementos de Teoria Musical. São Paulo: Electra
Novas Metas.
SINCLAIR, Hermine (organizadora) (1990). A Produção de Notações na
Criança. Linguagem, número, ritmos e melodias. São Paulo: Cortez Editora.
VYGOTSKI, Liev Semiónovich(1987). La Imaginacion y el Arte em la
Infancia. Madrid: Hispânicas.
________(1991). Pensamento y Lenguaje. Madrid: Aprendizaje.

2 comentários:

magnus e cristiane disse...

oi rafaela. Estava passando por algums blogs de violino e encontrei o seu, gostei bastante e gostaria muito qur voce me ajudasse.
entrei na aula de musica para aprender a tocar violino, porem ainda estou nas aulas de teoria musical, mas nessa semana meu marido me deu um violino de presente e por curiosidade fui apertar a crina do arco que veio bem folgadinha, quando fui solta-la novamente para guardar, não consegui deixa-la folgada como veio de fábrica. não sei como faço me ajude por favor. ela voolta a ficar folgada denovo ou não folga mais como estava antes. ue já até arranquei um fio tentando folgar estou desesperada. meu email é crismagnus31@hotmail.com

Unknown disse...

Olá Professora,

Adorei o seu projeto de musicalização.Acredito que a escrita musical pode ser entendida de muitas maneiras, e que o mundo da criança é fantástico, uma terra fértil para receber novas sementes. Os pequeninos precisam desse espaço rico e favorável ao desenvolvimento da criatividade.
Estou iniciando minha caminhada como educadora, sou graduada em Artes Lcenciatura em Música. No momento, estou pesquisando sobre Contos Sonoros, numca usei esse rico recurso, mas percebi em sua fala que é um caminho interessante. Tenho uma dúvida, minhas turmas são de 27 à 35 alunos na faixa etária de 06 à 10 anos, fundamental I, qual a idade ideal para trabalhar os Contos Sonoros?
Meu e mail é: ginakerlly23@yahoo.com.br

Parabéns pelo seu trabalho.

Gina Kerlly.Natal/RN