quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A MÚSICA: UMA LINGUAGEM NO APRENDER INFANTIL

Texto de Patrícia Alves Carvalho(autora)e Jucimara Rojas (co-autora)

INTRODUÇÃO

Se toda criação é vibração e se vibração é som, conseqüentemente podemos dizer que, dentro da criação, no Universo, não pode existir silêncio. Na verdade quando se fala de silêncio neste mundo, trata-se apenas de uma condição relativa, é uma vibração condicionada às limitações da nossa percepção. E se supomos que,

no princípio era silêncio. Havia silêncio porque não havia movimento e, portanto, nenhuma vibração podia agitar o ar - um fenômeno de fundamental importância na produção do som. A criação do mundo seja qual for a forma como ocorreu, deve ter sido acompanhada de movimento e, portanto, de som.
O que sugere uma criação musicalizada. (KARÓLY – BRITO, 2003. p. 17)


No princípio, o homem estava em contato e reproduzia os sons que ouvia da natureza, como o vento forte, a chuva, a água dos rios, o estalar de galhos, o canto dos pássaros e tantos outros animais, não só com a intenção de imitá-los, mas também porque essa era a música que ele conhecia. Criava a partir de suas necessidades de comunicação e também de subsistência, utilizando materiais sonoros, como seu próprio corpo, emitindo sons, como as palmas batendo as mãos.
É possível que, depois, convivendo com outras pessoas, o homem tenha sentido necessidade de comunicar-se, fazendo uso dessa “música” como meio de expressão, de interação com os outros, construindo e re-construindo seu próprio mundo na busca de sua realização plena de ser e de estar nesse mundo já naturalmente musicalizado. Encontrando uma forma criativa e prazerosa de inserir- se como ser-no-mundo.
Ser no mundo, estar no mundo, crescer com o mundo e para o mundo.
Estar aberto ao mundo e, no desvelar das coisas desse mundo, encontrar-se consigo mesmo. Com as capacidades e possibilidades de construção. De criação e re-ação, na relação com o mundo e com os seres que nele habitam.
Pois, o homem expressa suas emoções, alegres ou tristes, eufóricas ou calmas, relativas ao trabalho, à religião ou a qualquer outra atividade do dia a dia. O conhecimento cresce à medida que criamos novas formas de vivenciar situações, emoções, sensações. A musica propicia estas descobertas para o homem por meio de uma sonoridade rítmica e melódica presentes na vida de todo ser humano. À medida que o homem vai vivendo e experienciando, ampliam-se sua visão criativa e sua capacidade de interpretar o mundo de maneira cada vez mais criativa.
Tudo o que o ouvido percebe sob a forma de movimentos vibratórios é chamado de som. Som é tudo aquilo que soa. Os sons que nos cercam são expressões da vida, da energia, do universo em movimento. Indicam situações, ambientes, “paisagens sonoras:”
Os animais, a natureza, os seres humanos e suas máquinas, traduzem também sonoramente, a vivência, o “Ser-estar” nesse mundo.

ENFOQUE FENOMENOLÓGICO: A PERCEPÇÃO DO MUNDO SONORO

A pesquisa fenomenológica que permeia essa discussão, nos permite através de algumas análises, chegar à categorias relevantes sobre a aprendizagem infantil, nos mostrando que através da linguagem musical, a criança vivencia: a socialização, afetividade, aprendizagem, coordenação motora e expressão. O trabalho realizado com educadores de infância através da prática e de seus depoimentos em duas escolas diferentes, nos permite a percepção sobre a influência que a música apresenta no desenvolvimento infantil.
O trabalho fenomenológico nos conduz a uma apreciação e rigor na lida com tais depoimentos, para que sejam trabalhados na íntegra, sem modificações ou alterações do significado e essência de cada idéia. Destarte, o enfoque fenomenológico vem evidenciar o sentido da música na ação didática do professor nas salas da Educação de Infância.
Portanto, partiu-se para uma pesquisa qualitativa que faz do sujeito participante (no caso as professoras da Educação de Infância), ator e autor do seu fazer, e, desta forma procuramos primar por trabalhar os dados na perspectiva fenomenológica, para buscar no âmago das essências os sentidos e significados dos achados, compreendê-los, descrevê-los e interpretá-los.
Segundo Merleau-Ponty (1984) este é o movimento da fenomenologia que estuda as essências, problematizando-as, e redefinindo-as.
Para que isso aconteça, nos utilizamos de algumas análises que a linha de pesquisa nos propõe e permite. A primeira análise após a recolha dos depoimentos é a análise ideográfica que trabalha com o DI – discurso ingênuo, a maneira de escrita que cada sujeito se expressa. O passo seguinte trabalha com o US – que significa a unidade de significado, momento em que retiramos a essência da fala do sujeito, o significado da sua expressão, e logo em seguida, trabalhamos esse significado em uma fala articulada que nomeamos de DA – discurso articulado dos sujeitos.
Após essa análise sobre os discursos de cada sujeito, passamos para a análise nomotética, a qual nos permite trabalhar os dados da análise ideográfica A Análise Nomotética surge de invariantes retiradas dos discursos articulados dos sujeitos – DA. Assim, pontuamos as asserções significativas dos mesmos, que se resumem em frases breves ou palavras com a essência dos seus discursos.
No momento seguinte da análise, pontuamos as asserções representativas dos sujeitos em categorias abertas, fazendo as convergências das discussões dos sujeitos.
Após essas análises surgem cinco categorias abertas que evidenciam a influência da música como uma linguagem no aprender infantil: aprendizagem, socialização, afetividade, expressão e coordenação motora. Essas categorias são destacadas para procedermos a uma breve interpretação fenomenológica, necessária para a compreensão do educador e para a sua contextualização na pesquisa:
Aprendizagem - A aprendizagem acontece depois de vivências de prazer, atenção, desconcentração, concentração e troca. Ludicidade. Acontece quando vivenciada a brincadeira, o jogo, a cantiga de roda, que permitem que a criança compreenda, participe, sinta-se importante, capaz e feliz.
Socialização - É na socialização que a criança encontra o outro, o mundo do outro, e aprende a conviver, a respeitar, a repartir, re-partir em um partilhar de afeto, de encontro, de limites. Momento de orientação das vivências, porque estas refletirão por toda a vida.

Afetividade - A afetividade surge das emoções, das sensações, do prazer de estar junto, de contribuir, trocar, dividir. Surge do prazer de estar com o outro e com o outro construir uma relação de amizade, carinho, desejo de querer o bem, de estar bem, e de juntos percorrer os trilhares de uma vivência cidadã que começa aqui, nessa infância.

Expressão - A expressão como manifestação das idéias, dos sentimentos, aquela que nos dá a voz, a vez, que mostra no traçado do rosto, no movimento do corpo, no balançado das mãos, no sorriso ou no choro, o que o coração sente, a mente pensa, e o corpo deseja.

Coordenação motora - O movimento sugere vida, pulsar, respirar, percorrer caminhos. Caminhos necessários na formação da criança, desde os ossos, músculos, até a mente. Mente que pensa, aprende, socializa em conjunto com o coração, que movimenta em conjunto com o corpo, em um pulsar rítmico, musicalizado, que, mesmo parado, se movimenta, quando descansa, respira no pulsar dos batimentos para que, quando acorde, re-comece a brincar outra vez.

Dos nove educadores pesquisados, oito nos falam sobre a influência direta da música possibilitando a aprendizagem infantil, sete a socialização, cinco a afetividade, quatro a expressão, dois a coordenação motora, pelo fato da música proporcionar à criança vivências lúdicas, brincar, agir, movimentar, interagir, sentir prazer, logo, aprender. A criança vivencia os conteúdos, os conceitos, os limites, as regras, a disciplina através das brincadeiras. Brincadeiras de roda, brincadeiras cantadas. Brincando a criança conceitua, experiência, a criança vive, portanto a criança não esquece. Ela internaliza o que deve ser aprendido, saboreando os saberes, sabendo os sabores! [grifo nosso]
Os educadores de infância mostram o poder que a música desempenha nas capacidades de interesse, concentração, atenção, participação, socialização e aprendizagem da criança.
Mostram que, por meio da música a educação se realiza de maneira tranqüila, prazerosa, levando a criança à compreender a importância das relações, da socialização, vivenciando o respeito ao próximo, desenvolvendo a autonomia, o senso crítico. Compreendem o raciocínio lógico matemático, a necessidade de perceber e respeitar os limites, fazendo crescer o senso rítmico no aprimorar dos movimentos, construindo a dicção, a linguagem, a comunicação, enfim, a integralização da criança.
A música faz com que a educação seja um processo natural de movimento, envolvimento e desenvolvimento e, não algo maçante e massacrante, imposto à criança. A criança sente necessidade desse movimento, dessa expressividade. A criança tem, interesse por atividades manuais e corporais. Ela necessita de uma comunicação que faça com que aprenda, sinta e viva, orientando- se, e a vivência da linguagem musical, permite à criança habitar e habilitar sua ludicidade.
Encontramos ainda, muitas escolas trabalhando a música como uma linguagem apenas de datas, de apresentações, de movimentos prontos e repetidos, fazendo dessa vivência, algo mecânico, sem sentido, com hora marcada. Essa postura afasta as verdadeiras vivências e possibilidades que a música habita, pois a música como linguagem cabe em qualquer lugar, a qualquer momento, comandando atividades, proporcionando prazer, atenção, interação, através de jogos rítmicos, pequenos versos cantados, entre outros.

MÚSICA: POSSIBILIDADES SONORAS NA APRENDIZAGEM DA CRIANÇA

A criança precisa ser constantemente estimulada, para o desenvolvimento de sua inteligência e a exploração de sua inquietação, pois “é, por natureza, inquieta.
Sente necessidade de correr, pular, brincar. Ela, tendo espaço e oportunidade, naturalmente executa seus movimentos. Cabe à escola oferecer espaço e momentos para continuar e possibilitar este processo” (FEIL, 1985. p. 45).
Aprender a escutar deve ser um dos aspectos trabalhados com empenho e atenção pelos educadores, porque “a escuta tem grande importância na educação infantil, pois todos os demais conteúdos se alinham por meio da audição e da percepção”, (AKOSCHKY – BRITO, 2003. p. 187) fato este que reafirma a importância da criança experienciar os sabores do jogo, da brincadeira, da música, de maneira expressiva e criativa.
É importante lembrar que também a nossa escuta, tanto musical, quanto educacional, assim como os outros sentidos, guiam-se por limites impostos pela cultura, ou seja, o território do ouvir tem relação direta com os sons da nossa vivência, do nosso entorno, sejam eles musicais ou não, pois “a cultura imprime suas marcas no indivíduo, ditando normas e fixando ideais nas dimensões intelectuais, afetivas, morais e físicas, ideais esses que indicam à Educação o que deve ser alcançado no processo de socialização” (GONÇALVES, 1994. p.13) bem como no encontro com o mundo, com o outro e consigo mesmo.
Desde o princípio, o sentido da audição é responsável por significativa leitura das coisas deste mundo, já que sons e silêncios são portadores de informações e significados. Os sons da natureza (ondas do mar, vento nas folhagens, trovões, os carros e urros dos animais) ou os sons produzidos pelas pessoas (sons com materiais disponíveis, espirro, a voz, sons que o corpo produz) traduzem informações objetivas (a presença de um animal por perto, uma tempestade, uma moto que chega), provocando, também, sensações, emoções e reações subjetivas.
Perceber, produzir e relacionar-se com e por meio de sons faz parte da história de vida de todos nós: ao atravessar a rua, ouvimos a buzina de um carro e ficamos atentos. Ouvimos trovões e fechamos as janelas de casa. Conhecemos inúmeras informações sonoras que, vale lembrar, mudam com o tempo e de uma cultura para outra. Basta pensar na diferença existente entre o ambiente sonoro de um grande centro urbano e o de uma tribo indígena, ou, ainda, na paisagem sonora da época dos nossos antepassados distantes. Como será que eles reagiam à escuta de sons que não conheciam?
A sensibilidade das coisas, a percepção, a discriminação e a interpretação de situações sonoras, possibilitadoras de interações com o entorno, têm grande importância na formação e constante transformação da criança. Desenvolve a consciência de espaço e tempo, como aspectos prioritários da consciência humana, da consciência da duração do eu, sua persistência no tempo vivo, não cabe aos
relógios, posto que é metacrônica, ou seja, mais que mera continuidade cronológica. É uma dimensão constituinte que, talvez, se possa chamar de intencionalidade da vida. É uma temporalidade profunda, onde chrónos e kairós se entrelaçam.
(ASSMAN, 2001. p. 229)
Muitos foram os processos da história da música na vida do homem. Ela destina-se à totalidade do homem: seus sentidos, coração, inteligência e, de acordo com Willems, (1970) “os três domínios da natureza humana: o fisiológico, o afetivo e o mental estão estritamente ligados aos elementos constitutivos da música” (WILLEMS - CAMARGO, 1994. p.17) que são: o ritmo, a melodia e a harmonia.

REFERÊNCIAS

ASSMAN, Hugo. Reencantar a Educação. Rumo à sociedade aprendente. 5ª
edição. Petrópolis: Editora Vozes, 2001.
BRITO, Teca Alencar. Música na educação infantil: propostas para a formação
integral da criança. São Paulo: Peirópolis, 2003.
CAMARGO, Maria Lígia Marcondes de. Música/movimento: um universo em
duas dimensões. Editora Vila Rica, 1994.
FEIL, Iselda Terezinha Sausen. Alfabetização: um desafio novo para um novo
tempo. 6.ed. Petrópolis: Vozes, 1985.
GONÇALVES, Maria Augusta Salin. Sentir, pensar, agir: corporeidade e
educação. Campinas, SP: Editora Papirus, 1994.
MERLEAU - PONTY, Maurice. Fenomenologia da percepção. São Paulo: Editora
Martins Fontes, 1971.
MERLEAU-PONTY, Maurice, 1908 – 1961. Textos escolhidos/ Maurice
Merleau-Ponty; Seleção de textos de Marilena de Souza Chauí, Nelson
Alfredo Aguilar, Pedro de Souza Moraes – 2. ed. – São Paulo: Abril Cultural,
1984. (Os pensadores).

Um comentário:

Unknown disse...

PARABÉNS QUERIDA PROFESSORA JUCIMARA E PATRÍCIA PELO ARTIGO!
MUITO SUCESSO ÀS DUAS!
BEIJOS.
REGINA MAGNA.