sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Agnus Dei da Missa Papa Marcello de Palestrina

INTRODUÇÃO
O período da Renascença se caracteriza pelo enorme interesse pelo saber e pela cultura e muitas ideais dos antigos gregos e romanos. Foi também uma época de grandes descobertas e explorações, com notáveis avanços na ciência e na astronomia. Este novo homem não aceita mais os fatos por sua aparência, nem tem mais a visão teocêntrica do homem da Idade Média. Ele passou a observar, a questionar e começou a deduzir coisas por conta própria.
Foi na Renascença que os compositores começaram a ter um interesse mais forte pela música profana e passou a escrever peças somente para instrumentos, não mais usados com a finalidade exclusiva de acompanhar vozes como no período anterior. Porém, as grandes obras que nos restaram foram feitos para a Igreja, num estilo descrito como "POLIFONIA CORAL " - música contrapontística para um ou mais coros. Quando a música é somente vocal é chamada A CAPELLA.
As principais formas de música sacra continuaram sendo a MISSA e o MOTETO, escritos no mínimo para quatro vozes, baseada ainda em modos. Muitas técnicas medievais foram esquecidas, mas até 1550, as missas e motetos ainda tinham um CANTUS FIRMUS . Mas, em vez de um cantochão servindo de base melódica, os compositores passaram a usar canções populares.
Uma das diferenças entre os estilos medieval e renascentista é a tessitura musical. Enquanto o músico do Idade Média sobrepõe linhas melódicas distintas, o renascentista procura trabalhar com as linhas criando uma malha polifônica contínua. Para isso , o músico renascentista usava do recurso da IMITAÇÃO, criando um trecho melódico que uma vez apresentado por uma voz, aparece em seguida em outras vozes. Neste período também surge o início da HARMONIA, com os compositores cada vez mais conscientes da verticalidade e simultâneidade dos sons.
Apesar da Itália e da Inglaterra serem considerados os centros musicais mais importantes da Europa, foram os compositores dos Países Baixos que assumiram a vanguarda do pensamento musical renascentista. Dentre os músicos mais importantes teremos Giovanni Pierluigi da Palestrina, considerado o melhor compositor de estílo coral polifônico da Igreja Católica. Compositor prolífero. Dentre suas inúmeras obras constam, lamentações, salmos, litanias, magníficat e mais de cem madrigais seculares.
Neste trabalho será análisada uma de suas principais obras, a Missa Papae Marcelli, publicada em 1567.
1. RENASCENÇA
Três pensamentos salientes, do renascimento, influenciaram posteriormente os sentimentos reformistas:
HUMANISMO- Em vez de um mundo centrado em Deus (teocentrismo), agora voltava-se para o homem (antropocentrismo).
RACIONALISMO- Em vez da supervalorização da fé (verdade revelada) se constituiu um mundo explicado pelo conhecimento (ciência experimental).
INDIVIDUALISMO, NACIONALISMO- Em vez da ênfase do coletivo da cristandade (laços de fidelidade) administrado pela Igreja, surge a diferença entre Estados. Aparece o individualismo burguês e o nacionalismo que forma os Estados modernos.
Outros fatores foram as mudanças na literatura sobre e qualidade e quantidade, com o desenvolvimento da imprensa por intermédio do alemão Johan Gutemberg (1398-1468) com os tipos móveis de metal.
Com os avanços das ciências e da imprensa vieram os avanços das navegações e o domínio das terras do novo mundo.
O colonizador, como se fosse um escultor, talhou a América na forma em que havia imaginado. Destruia templos indígenas para construir suas Igrejas, derrubava habitações já existentes para obter o desenho da praça ou o traçado planejado das ruas, recontruía-se tudo que era possível para que o núcleo urbano lembrasse a Europa.
Desenhar um mapa, construir o império , e destruir outras culturas, impor a fé cristã, assinar obras de artes eram atitudes precedentes à Reforma.
O Renascimento é uma época em que se ansiava o retorno da cultura greco-latina, sentimento que não podia deixar de envolver a concepção de música. Não era possível contato com a música da antiguidade, o que não acontecia com a escultura, os monumentos arquitetônicos e a poesia. Os apreciadores da música antiga argumentavam não mais sentir nenhum tipo de emoção ao ouvir a música moderna.
O bispo Bernardino Cirillo foi um dos que insatisfeitos, demonstravam desencanto pela música erudita da época, chegando assim a declarar: "assim, os músicos de hoje deveriam procurar fazer no seu ofício aquilo que fizeram os escultores, pintores e arquitetos do nosso tempo, recuperando a arte dos antigos, e o que fizeram os escritores, arrancando a literatura ao inferno para onde fora banida por eras mais corruptas, explicando-a e oferecendo-a ao nosso tempo em toda a usa plenitude tal como aconteceu com as ciências" essa opinião era presente também entre os leigos, enquanto isso músicos como Zarlino (citados em GROUT, 1994) colocavam em evidência os progressos das técnicas de contraponto da época. Ao mesmo tempo surge o humanismo e acompanhado desse movimento vem à reação dos créticos e defensores da música moderna. O humanismo vinha como um reavivamento da sabedoria antiga nos campos da gramática, retórica, poesia, história e filosofia moral. Compositores e teóricos acreditavam que os modos gregos e modos eclesiásticos eram idênticos com nomes e poderes emotivos semelhantes.
As cópias das músicas passaram a ser reproduzidas devido à necessidade e interesse que os músicos tinham em tocar e cantar essas músicas. Essas cópias eram oferecidas como presente de aniversário, casamento, e outros; mas além do custo elevado essas cópias nem sempre conseguiam transmitir fielmente a idéia do compositor. A criação da imprensa proporcionou a propagação mais exata da música escrita da época. Johann Gutenberg foi quem tornou mais aprimorada a arte de imprimir livros com caracteres móveis, cerca de 1450. Essa arte foi aplicada aos livros litúrgicos com notação de cantochão em meados de 1473, sendo a primeira edição de músicas impressas com caracteres móveis foi feita em Veneza por Otaviano di Petrucci, que utilizava o método da impressão tripla, ou seja, uma primeira para as linhas da pauta, uma segunda para a letra e uma terceira para as notas. Por ser um processo minúncioso e despendioso, alguns impressores do século XVI reduziram-no a duas impressões, sendo uma para a letra e outra para a música (GROUT, 1994).
Segundo Grout (1994) a impressão única pode ter sido praticada pela primeira vez por Jonh Rastell por volta de 1520 em Londres.Grande parte da música escrita no século XVI foi impressa como cadernos individuais, para que cada voz ou parte pudesse executar as peças editadas. Para tocar ou cantar toda uma peça, era necessário a aquisição de toda a coleção desses livros. Grande parte dos coros de igreja ainda usavam os grandes livros manuscritos para coro, ainda que alguns impressores já fizessem também a edição desse livro.

2. POLIFONIA
No ambiente profano, desenvolveu-se a chamada música de caça (chace), ou cânone, onde vozes cantando uma mesma melodia entram sucessivamente, separadas por um ou mais compassos, como se cada voz "caçasse", perseguisse a que começou a cantar antes. Provavelmente dessas músicas surgem as primeiras ídéias para uma nova organização musical, estilo polifônico, ou seja, vozes cantando melodias diferentes ao mesmo tempo. Num primeiro instante (séc. IX), foi acrescentado à voz principal (vox principalis), que era um cantochão, uma segunda voz, a voz organal (vox organalis), que consistia numa duplicação da voz principal uma quarta ou quinta abaixo, o que dá a essa música a sonoridade característica da época medieval.
Mas era necessário evitar o trítono (diabulus in musica), que é o intervalo de quarta aumentada ou seu enarmônico quinta diminuta, como, por exemplo, o intervalo entre as notas fá e si, considerado dissonante pela teoria musical da época. Visando esse objetivo, começaram a ser permitidos outros intervalos e, outros movimentos, além do paralelo (onde as duas vozes se movimentavam paralelamente, isto é, utilizando os mesmos intervalos), foram adotados. O primeiro foi o movimento contrário, no qual uma voz sobe a escala enquanto outra desce, e vice-versa. Depois vieram o movimento oblíquo, no qual uma voz permanece na mesma nota enquanto a outra se eleva ou abaixa, e o movimento direto, em que as duas vozes se movem na mesma direção mas não pelos mesmos intervalos. Com isso, a voz organal se liberta cada vez mais da voz principal, terminando por ser escrita acima desta, se estabelecendo como voz mais aguda (séc. XI). A esse organum deu-se a denominação de organum livre. Posteriormente, o ritmo da voz organal se torna independente também, ao executar várias notas contra apenas uma sustentada pela voz principal (organum melismático, séc. XII).
A melodia cantada pela voz principal, baseada normalmente no repertório cantochão, tem o nome de cantus firmus e a voz principal passa a se chamar tenor (do latim tenere, sustentar), posto que ele sustenta agora longas notas. Nessa etapa de sua evolução, o nome organum era aplicado exclusivamente a este desenho de uma nota no tenor para várias na voz organal. Para o estilo nota contra nota (punctus contra punctum, ou simplesmente contraponto) foi dado o nome de descante.
É importante perceber que as comparações entre músicas de diferentes culturas proporcionam perspectivas esclarecedoras; o que aconteceu, também, com a música ocidental na época das Cruzadas foi fundamental. Não foi nada menos do que a criação da polifonia, música para mais de uma parte ou voz, que levaria inexoravelmente à criação da harmonia e intensificaria a necessidade de um sistema de notação adequado. Talvez essa evolução esteja ligada à necessidade de se fazer ouvir individualmente e não como uma massa, ou à descoberta de que os interiores de pedra das igrejas amplificavam a voz e lhe davam mais ressonância (VIENNA, 2006). A mudança começou imperceptivelmente, de início, com as vozes em uníssono na oitava, acomodando diferentes faixas de baixo e tenor, de contralto e soprano. Depois, era acrescentada uma terceira voz, cantando no intervalo de uma quinta acima da voz mais grave. Isto era mais do que mera conveniência. A harmonia aberta simples tinha uma clareza austera, penetrante, como os harmônicos ressonantes dos monges tibetanos (VIENNA, 2006). Não foi tão grande o salto dessa harmonia simples para a idéia de começar em uníssono, separando-se da quarta ou quinta, e voltando a se juntar. E ainda assim o processo levou cerca de duzentos anos.
A prática era conhecida como Organum, um termo extraído do latim, significando todo o corpo de recursos para fazer música - instrumentos e vozes. Parece provável que algumas dessas idéias tenham sido extraídas da música popular. De início, o Organum foi uma prática improvisada e o Cantochão ainda era ensinado como uma única linha. Foi precisamente por essa época que houve o cisma da Igreja Católica: a Ortodoxa Oriental, com base em Constantinopla, e a Católica Romana, em Roma. A tendência para a divisão há muito tempo se fazia clara, e quando a separação realmente ocorreu, em 1054, a Igreja Ortodoxa Oriental manteve a prática do Cantochão uníssono.
Houve, também, dentro do Coral Gregoriano, o germe de uma evolução: a contradição entre a obrigação de acompanhar fielmente o texto litúrgico, à maneira de recitativo, e, por outro lado, a presença de tão rica matéria melódica, os melismas que se estendem longamente quase como coloraturas, sem consideração do valor métrico da palavra. Essa contradição levaria à divisão das vozes: uma, recitando o texto; outra, ornando-o melodicamente. São essas as origens das primeiras tentativas de música polifônica, do Organum e do Discantus.
A polifonia parece ter sido uma arte norte-européia e na mais antiga coletânea de obras de Compostela, o Codex Calixtinus, que é um volume de aparência muito moderna para o século XII, utilizando uma notação do cantochão em quatro linhas antes do seu uso universal; mas a maioria das obras que ele contém consiste em cantochão, e a mais famosa das obras polifônicas dele, o Congaudeant catholici, é atribuída a Mestre Alberto de Paris.
Manuscritos ingleses da época contêm obras importadas da França que serviam como modelos para os compositores ingleses, mas a música polifônica só apareceu mais tarde na Itália e na Alemanha.
Inevitavelmente, o tipo de música ouvido fora da Igreja começou a influir na música ouvida dentro dela. A introdução de instrumentos no culto levou o compositor religioso às técnicas, ritmos e estilos melódicos empregados na música secular. É certo que a música secular dos séculos XII e XIII, com seus ritmos dançáveis e os idiomas melódicos dos compositores de Limoges e Notre Dame, introduziram tanto falas como os instrumentos do mundo secular na Igreja; mas é impossível acreditar que o novo estilo tivesse saltado já plenamente desenvolvido para a liturgia.
Possivelmente Sumer is icumen in projete alguma luz sobre a questão das influências populares nos primeiros dias da polifonia religiosa. A complexidade contrapontual de um cânon a quatro vozes sobre um baixo de apoio contínuo não era simplesmente a música de uma canção ligeira, mas hino cristão, o Perspice christicola, cantado na Abadia. Orientações em latim, anexas ao texto religioso, explicam como a semibreve deve ser cantada, sugerindo que os cantores do Convento de Reading não estavam familiarizados com um contraponto tão altamente desenvolvido. Mas o contraponto naquele grau de aperfeiçoamento não podia surgir plenamente evoluído sem ter um lugar de origem; perece que fora do Convento de Reading essas proezas técnicas não eram incomuns e que algumas pessoas tinham acesso a elas, e o ágil ritmo 12 por 8 da canção não está tão longe das vivazes partes superiores escritas em São Marcial e Notre Dame.
Embora o trabalho dos compositores fosse extralitúrgico, expunham-se aos invariáveis argumentos sobre o uso de música excessivamente complicada no culto. Quando o canto da Missa e dos Ofícios, relativamente cedo em sua história, ficou tão complicado que só cantores treinados podiam executá-los bem, as autoridades mais severas protestaram, alegando que a magnificência da música desviava a atenção das palavras do ritual, e observavam também que os movimentos, gestos e expressões faciais dos cantores ao cantarem música difícil eram, por sua vez, pouco edificantes e perturbadores da atenção.
Em 1526, o superior da Ordem na Inglaterra insistia em que a abadia em Thame parasse de cantar música polifônica. Nenhum edito do tipo mais tarde em vigor controlou a música cantada durante a liturgia; não, talvez, que as autoridades estivessem dispostas a tolerar qualquer coisa, mas porque a gama e variedade de práticas em uso nunca foram de todo apreciadas por quem pudesse achar necessário o controle. Portanto, enquanto vários fatos ocorriam, Aeldred, que era abade de Rivaulx em meados do século XII, protestou contra a música religiosa requintada em termos que encantaram o puritano William Prynne, que 500 anos depois os traduziu em vigoroso, robusto e admirável inglês de panfletista puritano:
Para que tem a igreja tantos órgãos e instrumentos musicais? Para que fim, pergunto, esse terrível soprador de foles, exprimindo mais os estrondos do trovão que a suavidade da voz? Para que servem a contração e inflecção da voz (...).
Enquanto isso, o povo conivente, tremendo e espantado, admira o som do órgão, o ruído dos címbalos e instrumentos musicais, a harmonia de gaitas e trombetas. (DAVEY, 1921)
É bom salientar que um conceito já inteiramente abstrato de música orientava a invenção dos mestres franco-flamengos, que foram os pioneiros do estilo renascentista. Chegavam a compor para 36 vozes paralelas, num verdadeiro malabarismo contrapontístico. A virtuosidade era praticamente uma norma seguida por essa escola na qual se destacaram Guillaume Dufay (1400-1474) e Johannes Ockeghem (1430-1496). E a virtuosidade foi levada a um ponto muito alto por Josquin des Prés (1445-1521), o mais brilhante de todos os flamengos.
No clima da Renascença, a polifonia católica passava das igrejas para os salões da aristocracia. Os reformistas protestantes faziam o oposto, indo buscar entre o povo os seus temas musicais. Enquanto isso, os flamengos percorriam a Europa propagando o seu estilo, que fez nascer vários gêneros de canção (chanson, song e lied). Na França, Clément Janequin (1480-1558) não foi o único a sofrer a influência flamenga. Na Inglaterra, também, a escola dos virtuoses conquistou seguidores como William Byrd (1543-1623). O compositor Orlando de Lassus (1531-1594) viveu em vários países, de modo que é difícil saber onde conheceu a música dos flamengos. Mas não há dúvida de que ela transparece em suas obras, cuja expressividade sugere a crise espiritual do seu tempo.
Possivelmente por seu sabor popular, o canto protestante passava à frente da liturgia católica e a inquietação da Igreja ante esse fato se mostrou no Concílio de Trento (1563), quando os jesuítas esboçaram uma tentativa de revitalizar a sua música. No entanto, esbarraram com um obstáculo sério: as normas canônicas interditavam o acesso ao estilo flamengo, alegando que este confundia o texto religioso. O impasse permaneceu até que Giovanni da Palestrina (1525-1594) encontrou uma solução hábil: Se o texto era o dilema, restava o recurso de dar mais destaque às palavras para ressaltar na música as emoções sugeridas por ele. Assim, eliminou o acompanhamento instrumental, criando composições "a capela", isto é, dedicadas exclusivamente à voz humana.

3 A REFORMA PROTESTANTE

A Reforma Protestante foi um movimento religioso iniciado no século XVI por Martinho Lutero, que através da publicação de 95 teses, protestou contra diversos pontos da doutrina da Igreja Católica, propondo uma reforma do catolicismo. Os princípios fundamentais da Reforma Protestante são conhecidos como os Cinco solas.
Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, e estendendo-se pela Suiça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contra-Reforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.
O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o Protestantismo.
3.1 - A Pré-Reforma
A Pré-Reforma foi o período anterior à Reforma Protestante no qual se iniciaram as bases ideológicas que posteriormente resultaram na reforma iniciada por Martinho Lutero.
A Pré-Reforma tem suas origens em uma denominação cristã do século XII conhecida como Valdenses, que era formada pelos seguidores de Pedro Valdo, um comerciante de Lyon que se converteu ao Cristianismo por volta de 1174. Ele decidiu encomendar uma tradução da Bíblia para a linguagem popular e começou a pregá-la ao povo sem ser sacerdote. Ao mesmo tempo, renunciou à sua atividade e aos bens, que repartiu entre os pobres. Desde o início, os valdenses afirmavam o direito de cada fiel de ter a Bíblia em sua própria língua, considerando ser a fonte de toda autoridade eclesiástica. Eles reuniam-se em casas de famílias ou mesmo em grutas, clandestinamente, devido à perseguição da Igreja Católica, já que negavam a supremacia de Roma e rejeitavam o culto às imagens, que consideravam como sendo idolatria.


John Wycliffe

No seguimento do colapso de instituições monásticas e da escolástica nos finais da Idade Média na Europa, acentuado pelo Cativeiro Babilônico da igreja no papado de Avignon, o Grande Cisma e o fracasso da conciliação, se viu no século XVI o fermentar de um enorme debate sobre a reforma da religião e dos posteriores valores religiosos fundamentais.
No século XIV, o inglês John Wycliffe, considerado como precursor da Reforma Protestante, levantou diversos questionamentos sobre questões controversas que envolviam o Cristianismo, mais precisamente a Igreja Católica Romana. Entre outras idéias, Wycliffe queria o retorno da Igreja à primitiva pobreza dos tempos dos evangelistas, algo que, na sua visão, era incompatível com o poder político do papa e dos cardeais, e que o poder da Igreja devia ser limitado às questões espirituais, sendo o poder político exercido pelo Estado, representado pelo rei. Contrário à rígida hierarquia eclesiástica, Wycliffe defendia a pobreza dos padres e os organizou em grupos. Estes padres foram conhecidos como "lolardos". Mais tarde, surgiu outra figura importante deste período: Jan Hus. Este pensador tcheco iniciou um movimento religioso baseado nas ideias de John Wycliffe. Seus seguidores ficaram conhecidos como Hussitas.
3.2 - A Reforma
3.2.1 - Na Alemanha, Suíça e França
No inicio do século XVI, o monge alemão Martinho Lutero, abraçando as idéias dos pré-reformadores, proferiu três sermões contra as indulgências em 1516 e 1517. Em 31 de outubro de 1517 foram pregadas as 95 Teses na porta da Igreja do Castelo de Wittenberg, com um convite aberto ao debate sobre elas. Esse fato é considerado como o início da Reforma Protestante.


Martinho Lutero

Essas teses condenavam a "avareza e o paganismo" na Igreja, e pediam um debate teológico sobre o que as indulgências significavam. As 95 Teses foram logo traduzidas para o alemão e amplamente copiadas e impressas. Após um mês se haviam espalhado por toda a Europa.
Após diversos acontecimentos, em junho de 1518 foi aberto um processo por parte da Igreja Romana contra Lutero, a partir da publicação das suas 95 Teses. Alegava-se, com o exame do processo, que ele incorria em heresia. Depois disso, em agosto de 1518, o processo foi alterado para heresia notória. Finalmente, em junho de 1520 reapareceu a ameaça no escrito "Exsurge Domini" e, em janeiro de 1521, a bula "Decet Romanum Pontificem" excomungou Lutero. Devido a esses acontecimentos, Lutero foi exilado no Castelo de Wartburg, em Eisenach, onde permaneceu por cerca de um ano. Durante esse período de retiro forçado, Lutero trabalhou na sua tradução da Bíblia para o alemão, da qual foi impresso o Novo Testamento, em setembro de 1522.
Enquanto isso, em meio ao clero saxônio, aconteceram renúncias ao voto de castidade, ao mesmo tempo em que outros tantos atacavam os votos monásticos. Entre outras coisas, muitos realizaram a troca das formas de adoração e terminaram com as missas, assim como a eliminação das imagens nas igrejas e a ab-rogação do celibato. Ao mesmo tempo em que Lutero escrevia “a todos os cristãos para que se resguardem da insurreição e rebelião”. Seu casamento com a ex-freira cisterciense Catarina von Bora incentivou o casamento de outros padres e freiras que haviam adotado a Reforma. Com estes e outros atos consumou-se o rompimento definitivo com a Igreja Romana. Em janeiro de 1521 foi realizada a Dieta de Worms, que teve um papel importante na Reforma, pois nela Lutero foi convocado para desmentir as suas teses, no entanto ele defendeu-as e pediu a reforma.
Toda essa rebelião ideológica resultou também em rebeliões armadas, com destaque para a Guerra dos camponeses (1524-1525). Esta guerra foi, de muitas maneiras, uma resposta aos discursos de Lutero e de outros reformadores. Revoltas de camponeses já tinham existido em pequena escala em Flandres (1321-1323), na França (1358), na Inglaterra (1381-1388), durante as guerras hussitas do século XV, e muitas outras até o século XVIII. Mas muitos camponeses julgaram que os ataques verbais de Lutero à Igreja e sua hierarquia significavam que os reformadores iriam igualmente apoiar um ataque armado à hierarquia social. Porém não foi assim: Lutero condenou essa revolta armada.
Em 1530 foi apresentada na Dieta imperial convocada pelo Imperador Carlos V, realizada em abril desse ano, a Confissão de Augsburgo, escrita por Felipe Melanchton com o apoio da Liga de Esmalcalda. Os representantes católicos na Dieta resolveram preparar uma refutação ao documento luterano em agosto, a Confutatio Pontificia (Confutação), que foi lida na Dieta. O Imperador exigiu que os luteranos admitissem que sua Confissão havia sido refutada. A reação luterana surgiu na forma da Apologia da Confissão de Augsburgo, que estava pronta para ser apresentada em setembro do mesmo ano, mas foi rejeitada pelo Imperador. A Apologia foi publicada por Felipe Melanchton no fim de maio de 1531, tornando-se confissão de fé oficial quando foi assinada, juntamente com a Confissão de Augsburgo, em Esmalcalda, em 1537.
Ao mesmo tempo em que ocorria uma reforma em um sentido determinado, alguns grupos protestantes realizaram a chamada Reforma Radical. Queriam uma reforma mais profunda. Foram parte importante dessa reforma radical os Anabatistas, cujas principais características eram a defesa da total separação entre igreja e estado e o "novo batismo" (que em grego é anabaptizo).


João Calvino

Enquanto na Alemanha a reforma era liderada por Lutero, Na França e na Suíça a Reforma teve como lideres João Calvino e Ulrico Zuínglio .
João Calvino foi inicialmente um humanista. Nunca foi ordenado sacerdote. Depois do seu afastamento da Igreja católica, este intelectual começou a ser visto como um representante importante do movimento protestante. Vítima das perseguições aos huguenotes na França, fugiu para Genebra em 1533 onde faleceu em 1564. Genebra tornou-se um centro do protestantismo europeu e João Calvino permanece desde então como uma figura central da história da cidade e da Suíça. Calvino publicou as Institutas da Religião Cristã, que são uma importante referência para o sistema de doutrinas adotado pelas Igrejas Reformadas.
Ulrico Zuínglio foi o líder da reforma suíça e fundador das igrejas reformadas suíças. Zuínglio não deixou igrejas organizadas, mas as suas doutrinas influenciaram as confissões calvinistas. A reforma de Zuínglio foi apoiada pelo magistrado e pela população de Zurique, levando a mudanças significativas na vida civil e em assuntos de estado em Zurique.
3.2.2 - No Reino Unido
O curso da Reforma foi diferente na Inglaterra. Desde muito tempo atrás havia uma forte corrente anti-clerical, tendo a Inglaterra já visto o movimento Lollardo, que inspirou os Hussitas na Boémia. No entanto, ao redor de 1520 os lollardos já não eram uma força ativa, ou pelo menos um movimento de massas.
O caráter diferente da Reforma Inglesa deve-se ao fato de ter sido promovida inicialmente pelas necessidades políticas de Henrique VIII. Sendo este casado com Catarina de Aragão, que não lhe havia dado filho homem, Henrique solicitou ao Papa Clemente VII a anulação do casamento. Perante a recusa do Papado, Henrique fez-se proclamar, em 1531, protetor da Igreja inglesa. O “Ato de Supremacia”, votado no Parlamento em novembro de 1534, colocou Henrique e os seus sucessores na liderança da igreja, nascendo assim o Anglicanismo. Os súditos deveriam submeter-se ou então seriam excomungados, perseguidos e executados, como aconteceu com importantes opositores, tais como Thomas More e o Bispo John Fischer. Quando Henrique foi sucedido pelo seu filho Eduardo VI em 1547, os protestantes viram-se em ascensão no governo. Uma reforma mais radical foi imposta diferenciando o anglicanismo ainda mais do catolicismo.
Seguiu-se uma breve reação católica durante o reinado de Maria I (1553-1558). De início moderada na sua política religiosa, Maria procura a reconciliação com Roma, consagrada em 1554, quando o Parlamento votou o regresso à obediência ao Papa. Um consenso começou a surgir durante o reinado de Elizabeth I. Em 1559, Elizabeth I retornou ao anglicanismo com o restabelecimento do Ato de Supremacia e do Livro de Orações de Eduardo VI. Através da Confissão dos Trinta e Nove Artigos (1563), Elizabeth alcançou um compromisso entre o protestantismo e o catolicismo: embora o dogma se aproximasse do calvinismo, só admitindo como sacramentos o batismo e a eucaristia, foi mantida a hierarquia episcopal e o fausto das cerimônias religiosas.
A Reforma na Inglaterra procurou preservar o máximo da Tradição Católica (episcopado, liturgia e sacramentos). A Igreja da Inglaterra sempre se viu como a ecclesia anglicanae, ou seja, A Igreja cristã na Inglaterra e não como uma derivação da Igreja de Roma ou do movimento reformista do século XVI. A Reforma Anglicana buscou ser a "via média" entre o catolicismo e o protestantismo.
Em 1561 apareceu uma confissão de fé com uma Exortação à Reforma da Igreja modificando seu sistema de liderança, pelo qual nenhuma igreja deveria exercer qualquer autoridade ou governo sobre outras, e ninguém deveria exercer autoridade na Igreja se isso não lhe fosse conferido por meio de eleição. Esse sistema, considerado "separatista" pela Igreja Anglicana, ficou conhecido como Congregacionalismo. Richard Fytz é considerado o primeiro pastor de uma igreja congregacional, entre os anos de 1567 e 1568, na cidade de Londres. Por volta de 1570 ele publicou um manifesto intitulado As Verdadeiras Marcas da Igreja de Cristo. Em 1580 Robert Browne, um clérigo anglicano que se tornou separatista, junto com o leigo Robert Harrison, organizou em Norwich uma congregação cujo sistema era congregacionalista, sendo um claro exemplo de igreja desse sistema.
Na Escócia, John Knox (1505-1572), que tinha estudado com João Calvino em Genebra, levou o Parlamento da Escócia a abraçar a Reforma Protestante em 1560, sendo estabelecido o Presbiterianismo. A primeira Igreja Presbiteriana, a Church of Scotland (ou Kirk), foi fundada como resultado disso.



3.2.3 - Nos Países Baixos e na Escandinávia
A Reforma nos Países Baixos, ao contrário de muitos outros países, não foi iniciado pelos governantes das Dezessete Províncias, mas sim por vários movimentos populares que, por sua vez, foram reforçados com a chegada dos protestantes refugiados de outras partes do continente. Enquanto o movimento Anabatista gozava de popularidade na região nas primeiras décadas da Reforma, o calvinismo, através da Igreja Reformada Holandesa, tornou a fé protestante dominante no país desde a década de 1560 em diante. Duras perseguições aos protestantes pelo governo espanhol de Felipe II contribuíram para um desejo de independência nas províncias, o que levou à Guerra dos Oitenta Anos e eventualmente, a separação da zona protestante (atual Holanda, ao norte) da zona católica (atual Bélgica, ao sul).
Teve grande importância durante a Reforma um teólogo holandês: Erasmo de Roterdã. No auge de sua fama literária, foi inevitavelmente chamado a tomar partido nas discussões sobre a Reforma. Inicialmente, Erasmo se simpatizou com os principais pontos da crítica de Lutero, descrevendo-o como "uma poderosa trombeta da verdade do evangelho" e admitindo que, "É claro que muitas das reformas que Lutero pede são urgentemente necessárias." . Lutero e Erasmo demonstraram admiração mútua, porém Erasmo hesitou em apoiar Lutero devido a seu medo de mudanças na doutrina. Em seu Catecismo (intitulado Explicação do Credo Apostólico, de 1533), Erasmo tomou uma posição contrária a Lutero por aceitar o ensinamento da "Sagrada Tradição" não escrita como válida fonte de inspiração além da Bíblia, por aceitar no cânon bíblico os livro deuterocanônicos e por reconhecer os sete sacramentos. Estas e outras discordâncias, como por exemplo, o tema do Livre arbítrio fizeram com que Lutero e Erasmo se tornassem opositores.
Na Dinamarca, a difusão das idéias de Lutero deveu-se a Hans Tausen. Em 1536 na Dieta de Copenhaga, o rei Cristiano III aboliu a autoridade dos bispos católicos, tendo sido confiscados os bens das igrejas e dos mosteiros. O rei atribuiu a Johann Bugenhagen, discípulo de Lutero, a responsabilidade de organizar uma Igreja Luterana nacional. A Reforma na Noruega e na Islândia foi uma conseqüência da dominação da Dinamarca sobre estes territórios; assim, logo em 1537 ela foi introduzida na Noruega e entre 1541 e 1550 na Islândia, tendo assumido neste último território características violentas.
Na Suécia, o movimento reformista foi liderado pelos irmãos Olaus Petri e Laurentius Petri. Teve o apoio do rei Gustavo I Vasa, que rompeu com Roma em 1525, na Dieta de Vasteras. O luteranismo, então, penetrou neste país estabelecendo-se em 1527. Em 1593, a Igreja sueca adotou a Confissão de Augsburgo. Na Finlândia, as igrejas faziam parte da Igreja sueca até o inicio do século XIX, quando foi formada uma igreja nacional independente, a Igreja Evangélica Luterana da Finlândia.
3.2.4 - A Reforma em outras partes da Europa
Na Hungria, a disseminação do protestantismo foi auxiliada pela minoria étnica alemã, que podia traduzir os escritos de Lutero. Enquanto o Luteranismo ganhou uma posição entre a população de língua alemã, o Calvinismo se tornou amplamente popular entre a etnia húngara. Provavelmente, os protestantes chegaram a ser maioria na Hungria até o final do século XVI, mas os esforços da Contra-Reforma no século XVII levaram uma maioria do reino de volta ao catolicismo.
Fortemente perseguida, a Reforma praticamente não penetrou em Portugal e Espanha. Ainda assim, uma missão francesa enviada por João Calvino se estabeleceu em 1557 numa das ilhas da Baía de Guanabara, localizada no Brasil, então colônia de Portugal. Ainda que tenha durado pouco tempo, deixou como herança a Confissão de Fé da Guanabara. Na Espanha, as idéias reformadas influíram em dois monges católicos: Casiodoro de Reina, que fez a primeira tradução da Bíblia para o idioma espanhol, e Cipriano de Valera, que fez sua revisão, ] originando a conhecida como Biblia Reina-Valera.
3.3 – Os Fatores da Reforma
Movido por esse conjunto de fatores religiosos, sociais, econômicos e políticos a Reforma Protestante acabou com a supremacia absoluta da Igreja Católica.
–Lutero com suas 95 teses;
–O movimento calvinista com João Calvino na França;
–A Reforma anglicana com Henrique VII na Inglaterra;
3.4 – As Consequências desses Fatores
INTOLERÂNCIA RELIGIOSA- Com o fim da unidade cristã surgiram diversas religiões e um clima de grande disputa e intolerância entre elas.
FORTALECIMENTO DO ABSOLUTISMO- Em alguns Países os reis romperam com a Igreja Católica, aprovando a formação das novas Igrejas ou mesmo criando a sua própria.
EXPANSÃO CAPITALISTA - Nos Países onde a Reforma se consolidou o ética burguesa se impôs com mais facilidade.
3.5 – Os Principais Pontos de Apoio da Reforma
Podemos resumir em cinco tópicos os principais pontos de apoio da reforma, sendo:
1) A crise interna à Igreja era caracterizada pelo comportamento imoral de parte do clero, situação que se desenvolvera por séculos, desde a Idade Média. A simonia era uma prática comum, secular, caracterizada pela venda de objetos considerados sagrados ou a venda de cargos religiosos. Os grandes senhores feudais compravam cargos eclesiásticos como forma de aumentar seu poder ou garantir uma fonte de renda para seus filhos, originando um processo conhecido como "investidura leiga", principalmente no Sacro Império. A preocupação com as questões materiais -- poder e riqueza- levou principalmente o alto clero a um maior distanciamento das preocupações religiosas ou mesmo de caráter moral. O nicolaísmo retrata um outro aspecto do desregramento moral do clero, a partir do qual o casamento de membros do clero levava-os a uma preocupação maior com os bens materiais, que seriam deixados em herança para os filhos e a partir daí determinavam o comportamento "mundano" dessa parcela do clero.
2) As publicações dos textos sagrados, com a utilização da imprensa, aumentam o número de exemplares da bíblia que podiam chegar às mãos dos estudiosos e da população, contribuindo para diferentes interpretações da doutrina cristã.
3) A ascensão da burguesia, possuidora de uma nova mentalidade, vinculada a idéia de lucro e que encontrava na Igreja Católica um obstáculo. A Igreja desde a Idade Média procurava regular as atividades econômicas a partir de seus dogmas e nesse sentido condenava o lucro e a usura (empréstimo de dinheiro à juros) inibindo a atividade mercantil, burguesa. Vale lembrar que a burguesia européia nasce cristã e dessa forma passará a procurar uma forma de conciliar suas atividades econômicas e o ideal de lucro com sua fé.
4) A ascensão do poder real: no século XVI formava-se ou consolidava-se o absolutismo em diversos países europeus e o controle da Igreja ou da religião passou a interessar aos reis como forma de ampliar ou legitimar seu poder, explicando a intolerância religiosa que marcará a Europa nos séculos seguintes. O melhor exemplo desse vínculo entre a nova forma de poder e a religião surgirá na Inglaterra com a criação de uma Igreja Nacional, subordinada a autoridade do Rei.
5) A mentalidade renascentista refletiu o desenvolvimento de uma nova mentalidade, caracterizada pelo individualismo e pelo racionalismo e ao mesmo tempo permitiu o desenvolvimento do senso crítico, impensável até então, determinando um conjunto de críticas ao comportamento do clero.

4. A CONTRA-REFORMA

O impacto causado pela Reforma levou a Igreja Católica a repensar sua estrutura e organização. Para reagir ela promoveu um movimento Contra-Reforma protestante e as novas Igrejas criadas.
A Contra-Reforma brotou principalmente na Itália e Espanha, lugares em que os esforços de renovação litúrgica não haviam sido interrompidos pelo cisma da Reforma Protestante e onde já havia sido germinada, antes de o protestantismo irromper, a idéia de uma reforma na Igreja Católica Romana.
O início da empreitada deveu-se a Paulo III, que removeu os obstáculos postos pela cúria romana, à convocação do Concílio de Trento, formado justamente para a renovação da igreja, e ao apoio encontrado nas inúmeras Irmandades, entre as quais destacou-se a Sociedade de Jesus.
O principal acontecimento da contra-reforma foi a Massacre da noite de São Bartolomeu. As matanças, organizadas pela casa real francesa, começaram em 24 de agosto de 1572 e duraram vários meses, inicialmente em Paris e depois em outras cidades francesas, vitimando entre 70.000 e 100.000 protestantes franceses (chamados huguenotes).
4.1 – Igreja Católica x Protestantismo
Durante o avanço protestante, a reação inicial da Igreja Católica foi punir os principais rebeldes.Com isso esperava-se que as idéias dos reformadores fossem sufocadas e o mundo cristão recuperasse a unidade perdida. A tática não deu bons resultados.
4.2 – Principais medidas da contra-reforma
– CRIAÇÃO DOS JESUITAS:
No ano de 1540, o Papa Paulo III aprovou a criação da Ordem dos Jesuitas ou Companhia de Jesus fundada pelo militar espanhol Inácio de Loyola, em 1534.
Inspirando-se na estrutura militar, os Jesuitas consideravam-se os soldados da Igreja, cuja missão era combater a expansão do protestantismo.
– A VOLTA DA INQUISIÇÃO:
No ano de 1231, a Igreja Católica havia criado os tribunais da inquisição, que com o tempo, reduziram suas atividades em diversos países. Entretanto, com o avanço do protestantismo, a Igreja decidiu reativar, em meados do séc. XVI, o funcionamento da inquisição. Ela se encarregou, por exemplo, de organizar uma lista de livros proibidos aos católicos, o “Index librorun prohibitorun” uma das primeiras relações de livros proibidos foi publicado em 1564.
– A REALIZAÇÃO DO CONCÍLIO DE TRENTO:
No ano 1545, o Papa Paulo III convocou um concílio, cujas primeiras reuniões foram realizadas na cidade de Trento, na Itália.
Reagindo à idéias protestantes o concílio de Trento reafirmou diversos pontos da doutrina Católica.
4.3 – O Concílio de Trento
Após muitas manobras políticas, a igreja em Roma instalou o concílio em 13 de dezembro de 1545. Discutiram sobre questões de fé, questões eclesiásticas internas e problemas da Reforma. Embora não obtivesse a unidade religiosa confessional que buscava, o Concílio conseguiu firmar muitas doutrinas católicas e fortaleceu a constituição eclesiástica. Na sua quarta sessão, ficou prescrito que a base da doutrina cristã estaria firmada não somente nas Sagradas Escrituras, mas sobretudo na tradição oral, entendida como sendo a tradição apostólica. Além disso, repudiou a doutrina da graça, a sola gratia da Reforma para a salvação pessoal, entendendo que o esforço humano é um fator necessário que coopera no processo: a graça de Deus precisa do consentimento por parte do homem e da mulher. Contrariamente às doutrinas protestantes, declarou ainda que a tradução latina da Bíblia, a "Vulgata", era suficiente em questões dogmáticas, que a tradição tinha a mesma autoridade das Escrituras, que os sacramentos eram sete, que a missa era um sacrifício que podia ser oferecido em favor dos que já haviam morrido e ainda que não havia necessidade de todas as pessoas receberem os elementos da Eucaristia durante a missa.
O Concílio elaborou ainda um programa para a renovação religiosa e moral do clero, uma vez que havia atingido um nível degradante. Também quis abolir as superstições populares. Preocupou-se em preservar a tradição eclesiástica, colocando um ponto final na questão da subjetivização da liturgia. Esse é o motivo pelo qual optou por preservar o latim, língua que fazia parte da tradição. O Concílio de Trento trouxe uniformidade e estabilidade à liturgia. A tarefa foi concluída em 26 de janeiro de 1564, no papado de Pio IV, após inúmeras interrupções.

4.3.1 – O Concílio de Trento acerca da Música Sacra
As declarações conciliares acerca da música sacra foram promulgadas em forma sinóptica em 17 de setembro de 1562. Nesse documento, ficou clarificado que a Igreja Católica Romana haveria de dar continuidade à tradição musical. Essa preservação seria efetuada da seguinte maneira: nas missas em que houvesse canto e acompanhamento, nenhuma música profana poderia ser admitida; só seriam aceitos hinos e "louvores divinos"; o canto não deveria ser inserido para o deleite, antes as palavras deveriam ser claras para serem facilmente entendidas por todos, idéia fundamentada nos humanistas; o canto deveria falar ao coração dos presentes de forma que essas pessoas ansiassem pela "harmonia celestial". Com essa normatização acerca da música sacra, o Concílio deixou bem claro que iria vigiar ao máximo os acontecimentos vindouros, de maneira que nenhuma música secular fosse admitida no canto da igreja. O Concílio ainda determinou com exatidão quais os cantos litúrgicos que deveriam permanecer. Foram eles: Victimae paschali laudes, para a Páscoa; Sancte Spiritus, para o sétimo domingo depois da Páscoa; Lauda Sion, para o dia de Corpus Christi e Dias irae, um réquiem. Os cardeais sugeriram que a polifonia fosse proibida, razão pela qual o Concílio designou uma comissão para estudar as missas que eram compostas no novo estilo polifônico, uma vez que o significado do texto ficava praticamente incompreensível, o que vinha de encontro às normas decididas. Na iminência da proibição da polifonia, surgiram muitos protestos e pressões de toda parte, os quais conseguiram conter a decisão. O que mais desejava o Concílio, com a promulgação das leis sobre a música sacra, era favorecer sua adequação ao culto. O uso da língua vernácula não foi estimulado. Posto que também não houvesse sido expressamente condenado, o Concílio temia que a liturgia da igreja ocidental tendesse ao vernáculo, como aconteceu à liturgia das igrejas orientais. Mesmo assim, especialmente na Alemanha, Áustria, Suíça, Bélgica e Polônia, proliferaram coleções de cantos em língua vernácula.
A música de Giovanni Perluigi da Palestrina tornou-se símbolo da música a capela do século XVI. Foi diretor de música em Roma a maior parte da sua vida, a serviço de papas, sendo cantor na capela papal. Junto com Vittoria, Marenzio, os Anérios e os Naninis formou a chamada "Escola de Roma" ou "Escola Palestrina". Nomearam-no "salvador da música sacra", porque, com a sua "Missa do Papa Marcelo" teria resguardado a música sacra de retornar ao estágio de canto gregoriano em uníssono. Essa obra não foi inovadora no seu estilo, mas tornou-se modelo por ter sido bem estruturada contrapontisticamente. Conservador, Palestrina evitou o uso de elementos seculares. Seu estilo harmônico cordal serviu de modelo para a música polifônica aceita pelo Concílio de Trento para ser usada na igreja. Porque foi escrita dentro dos padrões ditados pelo Concílio, na música de Palestrina não se observa o texto sendo ofuscado pela linguagem musical. Além do contraponto, que lhe era muito familiar, usou a técnica da imitação e polifonia modal, embora já se pudesse ter uma pálida imagem da técnica do que viria a ser a harmonia tradicional, em virtude da maneira como resolvia as dissonâncias. Com essas características, pode-se afirmar que a música de Palestrina foi tradicional e seguiu os parâmetros convencionais que haviam sido fixados pelas autoridades eclesiásticas.
Por ocasião do Concílio de Trento, no século XVI, a Igreja Católica Romana havia eleito o estilo do músico Palestrina como "o estilo" superior e oficial da igreja.
Sabemos que a música da Contra-Reforma é a capela e só a voz humana da criatura é digna de louvar o Criador. Esta é a base do estilo chamado "de Palestrina". Segue-se a palvra de São Jerônimo, para quem os servos de Cristo cantariam com a intenção de agradar pelas palavras e não pela voz.
Giovanni Pierluigi de Palestrina tinha um sentido de equilíbrio perfeito, latino, e ocupa dentro da música da igreja romana a mesma posição de destaque que Bach ocupa dentro da música da igreja luterana.
Como diz Carpeaux, "para nós, numa época em que nem esta nem aquela Igreja dispõe de música viva, aquelas posições históricas não têm nenhuma importância ou significação". A diferença fundamental é que Bach é capaz de exercer a mais profunda influência sobre a música moderna, enquanto Palestrina trabalha dentro de um estilo extinto há séculos e cultivado por ninguém: é apenas um fenômeno histórico. A arte de Palestrina só existe para servir à liturgia. Segundo Carpeaux, ele não é um grande compositor que escreve música sacra: é um liturgista que sabe fazer grande música.
Segundo Mário de Andrade, Palestrina deu ao coro-a-capela a solução histórica mais perfeita, dispensando os instrumentos musicais que viviam na companhia do povo pela própria ausência de virtuosidade vocal, o que obrigava que fossem acompanhados para marcar o ritmo e sustentar o som cantado.
4.4 – Outras Considerações acerca do Concílio de Trento
Podemos verificar que enquanto João Paulo II encontra-se há 20 anos assentado no chamado trono de São Pedro, os cinco papas que governaram a Igreja durante os 18 anos do Concílio de Trento (1545-1563) tiveram pontificados de pequena duração. Paulo III foi eleito papa aos 66 anos e morreu 15 anos depois. Júlio III foi eleito aos 63 e morreu cinco anos depois. Marcelo II foi eleito aos 54 (a 10 de abril de 1555) e morreu 22 dias depois (1o. de maio), Paulo IV foi eleito aos 79 e morreu quatro anos depois. E Pio IV foi eleito aos 60 e morreu sete anos depois. Com exceção do piedoso Marcelo II, todos os outros mancharam seus pontificados com a prática do nepotismo. Paulo IV, por exemplo, fez de seu sobrinho Carlos Carafa Cardeal Secretário de Estado. Esse homem era imoral e destituído de consciência e abusou de seu ofício para cometer extorsões vergonhosas.
O 19º Concílio Ecumênico da Igreja, mais conhecido como o Concílio de Trento, por ter se reunido em sua grande parte na cidade de Trento, ao norte da Itália, realizou 25 sessões plenárias em três períodos distintos, de 1545 a 1563. O primeiro período foi de 1545 a 1547. O segundo começou quatro anos depois, em 1551 e terminou no ano seguinte. O último período começou dez anos mais tarde, em 1562, e terminou no ano seguinte.
A essa altura, a Reforma Protestante já tinha se espalhado por todos os países da Europa Ocidental e da Europa Setentrional. A abertura do Concílio de Trento deu-se 28 anos depois do rompimento de Martin Lutero com Roma (outubro de 1517) e nove anos depois da primeira edição das Institutas da religião cristã, de João Calvino, em 1536 (um livro de formato pequeno, com 516 páginas). Outras edições em latim e francês já tinham sido publicadas. Por ocasião da abertura do Concílio (13 de dezembro de 1545), todos os reformadores, exceto Ulrico Zuínglio, ainda estavam vivos: Martin Lutero com 62 anos, Guilherme Farel com 56, Filipe Melanchton com 48, João Calvino com 36 e João Knox com 31. Lutero morreria no ano seguinte (1546).
O propósito do Concílio de Trento era fazer frente à Reforma Protestante, reafirmando as doutrinas tradicionais e arrumando a própria casa. Portanto houve duas reações distintas, uma na área teológica e outra na área vivencial. Um dos papas teria confessado que Deus permitiu a revolta protestante por causa dos pecados dos homens, "especialmente dos sacerdotes e prelados".
No que diz respeito à melhoria da conduta do clero, o Concílio foi muito positivo. Formulou-se uma legislação com o objetivo de eliminar os abusos. Os sacerdotes deveriam residir junto às paróquias, os bispos, na sede episcopal, monges e freiras em seus mosteiros e conventos. A Igreja deveria fundar seminários para preparar melhor seus sacerdotes.
Mas, no que diz respeito às doutrinas postas em dúvida pela Reforma Protestante, o Concílio de Trento nada fez senão confirmar o ensino tradicional católico. Enquanto os protestantes afirmavam que a Escritura Sagrada é a única regra de fé e prática dos cristãos, o Concílio colocava a tradição e os dogmas papais no mesmo pé de igualdade com a Bíblia. O Concílio declarou que a tradução latina da Bíblia, a Vulgata, era suficiente para qualquer discussão dogmática e só a Igreja tem o direito de interpretar as Escrituras. Também reafirmou a doutrina da transubstanciação, defendeu a concessão de indulgências, aprovou as preces dirigidas aos santos, definiu o sacrifício da missa, insistiu na existência do purgatório e ensinou que a justificação é o resultado da colaboração entre a graça de Deus e as obras meritórias do crente. Outra resolução do Concílio de Trento que acentua a diferença entre católicos e protestantes foi a inclusão de livros dêuteros canônicos no cânon bíblico.
Depois do Concílio de Trento, a cristantade ficou definitivamente dividida entre a Igreja Católica Romana e a Igreja Protestante, por meio de suas diferentes denominações: valdenses, anabatistas, luteranos, presbiterianos (calvinistas) e outras. Como já havia uma divisão anterior, ocorrida em 1054, deve-se acrescentar o terceiro braço da Igreja Cristã: a Igreja Ortodoxa Grega.
A última sessão do Concílio de Trento aconteceu no dia 4 de dezembro de 1563. Nesse dia foram lidas todas as decisões tridentinas - todo o texto ou apenas seus começos - e encaminhadas ao Papa Pio IV para aprovação final, o que ocorreu menos de dois meses depois, em 26 de janeiro de 1564.
Durante o Concílio de Trento, os protestantes redigiram pelo menos três clássicas confissões de fé: a Confissão Escocesa (1560), o Catecismo de Heidelberg (1562) e a Segunda Confissão Helvética (1562). Os pontos doutrinários aí expostos não se afinam com as declarações tridentinas. As diferenças entre um credo e outro permanecem até hoje, embora a convivência entre um grupo e outro seja muito melhor neste final do século XX do que na primeira metade do século XVI.
Este Concílio teve especial importância para os pesquisadores de genealogia devido a uma de suas resoluções, esta determinava que toda criança, para ser batizada na igreja católica deveria possuir um nome cristão e um sobrenome de família, desta forma, as famílias que ainda não o possuíam foram obrigadas a assumir o termo que os identifica-se, o uso de sobrenomes familiares foi então implantado definitivamente.


5. PALESTRINA (1525-1594) E SUAS OBRAS
Giovanni Pierluigi da Palestrina nasceu na cidade de Palestrina, no norte de Roma (Itália), segundo se acredita a 17 de dezembro de 1525. Em 1537 fazia parte do coro infantil da basílica Santa Maria Maggiore, em Roma, onde estudou música e órgão. Mestre de canto e organista da catedral de Palestrina por algum tempo, voltou depois a Roma como chefe de música da capela Giulia da basílica de São Pedro, no Vaticano, cargo que ocupou de 1551 a 1556.
Publicou seu primeiro livro de missas em 1554, dedicado ao seu patrono, o papa Júlio III. Com a ascensão do papa Paulo IV, foi afastado da capela papal por ser casado. Passou a dirigir o coro da basílica de São João em Laternao (1556-1560). Voltou a Santa Maria Maggiore e ensinou música em seminários de Roma.
Em 1556, apresentando aos bispos e teólogos reunidos no Concílio de Trento a missa dedicada ao papa Marcelo, teve o sucesso desejado e impediu, assim, que fosse proibida a música polifônica pelo concílio. Em 1571, com a morte de Animuccia, voltou ao seu antigo lugar na capela Giulia, tendo travado conhecimento com Filippo Neri, fundador da Congregação do Oratório. Já como o mais famoso músico de Roma da época, Pelestrina foi nomeado em 1578 chefe de música da basílica de São Pedro. Palestrina morreu em Roma a 2 de fevereiro de 1594.
Admirado, em vida, não só por papas e cardeais, mas também por príncipes italianos e estrangeiros, Palestrina dedicou-lhes inúmeros motetos e missas. É um dos maiores representantes da música polifônica à capela, ou seja, desacompanhada. Surgiu em pleno período da Contra-Reforma e desempenhou importante papel na simplificação da polifonia, de modo a tornar compreensíveis as palavras do texto da liturgia. Sua música, pela pureza e rigor litúrgico, representa o supremo total da Contra-Reforma. Palestrina procurou mostrar que só a voz humana é digna de louvar o Criador. De profunda religiosidade são suas missas, escritas sobre textos gregorianos, profanos, livres ou inspirados nos próprios motetos. Quanto a estes últimos, refletem o mesmo espírito, sereno e recolhido, das missas.
A sua linguagem musical representa o clímax do desenvolvimento musical da altura, sobretudo no seu domínio sobre as técnicas polifónicas. Durante a década de 1560 e 1570 a fama e influência de Palestrina aumentaram rapidamente através da vasta difusão das suas obras. A sua fama era tão grande que em 1577 lhe foi pedido que reescrevesse os principais livros de cantochão da igreja, segundo as indicações do Concílio de Trento. A sua missa mais famosa, Missa Papae Marcelli, poderá ter sido composta para satisfazer os requisitos de convicção e inteligibilidade do texto.
A enorme produção musical de Palestrina são 104 missas, para quatro e oito vozes, e, em alguns casos, doze. Dentre elas destacam-se a historicamente famosa Papa Marcelo, Alma redemptoris, Beatus Laurentius, Ecce Johannes, Super voces, O admirabile commercium, O magnum mysterium, Quem dicunt homines, Tu es pastor, Tu es Petrus, Viri Galilaei, Hoje nasceu o Cristo, para a noite de Natal, e a serena Pro defunctis. Sua obra-prima é a missa Maria subiu aos céus, em seis partes, seguindo de perto o princípio do cantochão gregoriano.
Das centenas de motetos compostos por Palestrina, ainda hoje são cantados em igrejas de todo o mundo. Entre eles: Surge illuminare e O magnum mysterium; os Magnifacts, sobretudo o no 4.º tono; o Salve Regina, para quatro vozes; o Dum complerentur, para o domingo de Pentecostes; Tribularer si nescires; o melancólico Paucitas dierum, relatando as atribulações de Jó; Pange lingua, Viri Galilaei, e Accepit Jesus calicem.
Não há compositor anterior a Bach cujo renome iguale ao de Palestrina, nem outro cuja técnica de composição tenha sido objeto de análise tao minuciosa (GROUT, 1994). É de comum acordo entre vários autores de livros de música ao afirmar que Palestrina captou o melhor do que qualquer outro compositor a essência do caráter sóbrio e conservador da Contra-Reforma. O seu estilo (estilo palestriniano) era um modelo para a música sacra polifônica. É bom ressaltar que muitos manuais de ensino de contraponto, como o Gradus ad Parnassum (1725), de Johann Joseph Fux, até os textos mais recentes, procuram instruir os novos compositores no sentido de os levarem a recriação deste estilo. Para Grout “Não há dúvida alguma de que Palestrina estudou atentamente as obras dos compositores franco-flamengas, alcançando um perfeito domínio de suas técnicas.”
Vale salientar que muitas obras de Palestrina são escritas apenas para quatro vozes uma vez que essa época “os compositores escreviam normalmente para cinco ou mais vozes” (GROUT, 1994).
As partes vocais individuais têm um caráter que quase evoca o cantochão: a curva melódica desccreve muitas vezes um arco, sendo o movimento predominantemente por grau conjunto, com saltos raros e de pequena amplitude (GROUT, 1994). Palestrina evitava o cromatismo, admitindo apenas as alterações essenciais exigidas pelas convenções da música ficta.
É bom saber que o Concílio em 1565 definiu as exigências mínimas para a música polifônica na liturgia católica que são:
1) são proibidos motetos e missas politextuais, com letras profanas, tenores mundanos com textos compostos por leigos ou não tirados da Sagrada Escritura ou da poesia cristã.
2) As palavras devem ser compreensíveis.
Por conta destas determinações do Concílio, a preocupação com a clareza, simplicidade e inteligibilidade do texto levaram Palestrina a compor segundo a solicitação.
O caráter essencialmente polifônico aparecem nas imitações constantes, porém com predominância da simplicidade. Longos melismas são a regra em Palestrina. As dissonâncias são empregadas com muito critério e em valores menores seu tratamento se torna mais livre. A linguagem harmônica é baseada quase totalmente no acorde perfeito maior e menor, utilizando em estado fundamental e em primeira inversão. O ritmo é regular, sendo antes um fluir sereno do que um racionalismo rítmico. Naquela época não existia ainda a barra de compasso.
Outro aspecto importante da obra de Palestrina é ser totalmente vocal. A maior parte é de caráter sacro. No início, Palestrina compõe ainda com CANTUS FIRMUS. Porém a partir da "Missa Papae Marcelli" inaugura a segunda fase na produção de missas. Seu estilo simplifica-se e desaparece o CANTUS FIRMUS

6. AGNUS DEI – ANÁLISE

6.1 – O Modo e a Utilização de Música Fícta
O Agnus Dei da Missa do Papa Marcello encontra-se no modo Jônico com pontos em que alterações cromáticas são feitas de acordo com convenções de música fícta. No entando uma das características de Palestrina é o fato de evitar por completo o cromatismo, tão explorado por seus contemporâneos.
Ex. 1 – Utilização de Música Fícta



6.2 – As Partes Vocais e a Melodia
As partes vocais individuais têm em Palestrina um caráter que quase evoca o do cantochão. Encontramos frases vocais longas, flexivelmente articuladas em frases rítmicas de dimensão variável.
Ex. 2.1 – Frase longa


A curva melódica descreve várias vezes um arco, sendo movimentado predominantemente por graus conjuntos, com poucas notas repetidas e poucos saltos de de pequena amplitude. Os escassos saltos maiores que uma terça são raramente explorados e suavizados pelo regresso a uma nota situada dentro do intervalo do salto.
Ex. 2.2.1 – Saltos maiores que uma terça posteriormente suavizados


Ex. 2.2.2.1 – Saltos maiores que uma terça não suavizados


Em outras edições, encontramos modificações no posicionamento do texto, o que justificaria o salto maiores do que uma terça sem o retorno para dentro do salto. No exemplo a seguir serão aplicadas tais modificações.

Ex. 2.2.2.2 – Modificações no posicionamento do texto do exemplo 2.2.2.1


As sonoridades verticais de Palestrina, a que sempre se chega por um movimento lógico e natural das várias vozes, são das mais homogêneas e satisfatórias de toda a música do séc. XVI.
6.2.1 – A Extensão das Vozes
A melodia move-se na maioria das vozes dentro do âmbito de uma nona, facilmente cantável, chegando até o âmbito de uma décima primeira no Altus.
- Cantus: Mi4 – Sol5
- Altus: Sol3 – Dó5
- Tenor I: Sol3 – Lá4
- Tenor II: Sol3 – Lá4
- Bassus I: Dó3 – Ré4
- Bassus II: Dó3 – Ré4
6.3 – O Rítmo
O rítmo da música de Palestrina, como o de toda a polifonia do século XVI compõe-se dos rítmos das vozes mais um rítmo coletivo, resultante da combinação harmônica e contrapontística das linhas.
A figura abaixo apresenta os sete primeiros compassos do Agnus Dei, mas com as barras divisórias dos compassos colocadas em cada uma das vozes de acordo com o seu rítmo natural; esse exemplo demonstra graficamente como são independentes as linhas individuais. O rítmo coletivo, que se ouve quando soam todas as vozes, dá a impressão de uma sucessão bastante regular de compassos 2/2 ou 4/4, separados, não por acentos tônicos, mas pelas mudanças harmônicas e pela localização de retardos sobre tempos fortes.
Ex. 3 – Rítmo Natural


6.4 – O Texto
Nas obras de Palestrina, cada frase do texto tem o seu motivo musical, e o desenvolvimento contrapontístico de cada motivo entrelaça-se com o do seguinte através de uma cadência em que as vozes se sobrepõem, detendo-se umas enquanto as outras continuam. Mas a ligação de motivos não se faz por uma mera sucessão, a unidade é obtida através de uma escolha atenta dos graus do modo para as cadências principais e através da repetição sistemática.
No texto do Agnus Dei, um novo desafio é apresentado. Ele possui algumas palavras que devem ser alongadas para produzir o peso necessário para que esse movimento feche a Missa. O trecho “Qui tollis peccata mundi” é tratado com imitações mais próximas (mais tarde chamadas de stretto).


Nota-se que uma voz é guardada para começar um novo ciclo de repetições.
Ex. 4 – Entradas Imitativas Próximas



No cantochão o Agnus é cantado trez vezes, na última vez a frase “dona nobis pacem” substitui “miserere nobis”.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, tende piedade de nós.
Cordeiro de Deus, que tirai o pecado do mundo, dai-nos a paz.
Na Missa de Palestrina, as duas primeiras estrofes são combinadas no Agnus Dei I; a terceira no Agnus Dei II, escrito para sete vozes.
6.5 – O contraponto
A prática contrapontística do compositor está de acordo com a que era ensinada na escola de Willaert. Verticalmente, as linhas independentes devem encontrar-se no tempo de apoio e no tempo leve do compasso, de modo que se obtenha sempre uma terça e uma quinta ou uma terça e uma sexta em relação ao baixo.
Palestrina raramente utiliza determinado registro ou determinado distanciamento das vozes por motivos dramáticos. Os seus efeitos situam-se unicamente no reino da sonoridade, como se pretendesse demonstrar de quantas formas diferentes podem combinar-se intervalos simples consonantes.
Essas consonancias muitas vezes resultam nos atuais acordes na posição fundamental ou na primeira inversão. No entanto, a idéia de acorde ainda não era utilizada. Toda a técnica de composição era contrapontística, buscando apenas a consonancia intervalar entre o baixo e as vozes superiores.
Ex. 5 – Consonancias entre o Baixo e as Vozes Superiores


6.6 – As Dissonâncias
As convenções contrapontísticas usadas por Palestrina, são quebradas no caso de retardos, onde uma determinada voz é consonante com outras no tempo de apoio e prolongadas. Pelo fato de se prolongar para o tempo leve seguinte, uma ou mais das restantes vozes criam uma dissonância em relação a ela.
Assim a voz que faz o retardo desce um grau para fazer uma consonância com as outras vozes. Palestrina toma bastante cuidado em preparar e resolver a nota na mesma linha vocal. Esta alternância de tensão e relaxe, dissonância forte no tempo de apoio e conssonância suave no tempo leve, confere a esta música uma pulsação pendular.
Palestrina pratica também uma exceção que mais tarde veio a ser conhecida como Cambiata; uma voz salta uma terceira descendente para formar uma consonância, em vez de a atingir por grau conjunto.


6.7 – As entradas Imitativas
Neste movimento da Missa, o compositor possui um tempo amplo para desenvolver comodamente os motivos com entradas em estilo fugado. Palestrina teve a oportunidade de ceder aos seus costumes no estílo imitativo.
A idéia inicial começa na linha do tenor e é imitada pelas outras vozes com entradas em momentos diferentes (pontos de imitação).
Cada uma das seis vozes tem a chance de cantar a abertura de uma exposição da fulga que dura quinze compassos. Algumas vezes, as vozes entram apenas um quarto de nota atrás (mínimas na notação original).









7. CONCLUSÕES

Podemos observar ao término deste trabalho a importância de Palestrina para os casos vistos em questão bem como, os principais aspectos e fatores da reforma e da contra-reforma, a música na época e suas influências na liturgia e sociedade, pois sua obra chegou a ser considerada como a encarnação do ideal musical de certos aspectos do catolicismo que vieram a ser especialmente sublinhados no século XIX e no princípio do século XX (GROUT, 1994).
Com a análise do Agnus Dei da Missa Papa Marcello, pudemos exemplificar elementos musicais utilizados pelo compositor e ainda diferenciar suas práticas das de seus contemporâneos.
Do ponto de vista acadêmico, colocamos em prática, na realização deste trabalho, os assuntos vistos em classe mostrando assim a nossa aprendizagem.












REFERÊNCIAS
COTRIM,Gilberto. História e Reflexão: feudalismo, modernidade européia e Brasil colônia. Volume 2: 1°grau, 5ª ed. São Paulo, Saraiva, 1996.
DAVEY, H. History of English Music. 1921 2ª ed.
EDUARDO. Palestrina. Disponível em: Acesso em 02 nov 2008.
GOUT, D. J. PALISCA, C. V. História da música ocidental. Revisão Técnica de Adriano Latino, Dpto de Ciências Musicais da U. Nova Lisboa. Ed. Gradiva, 1994.
HURRY, P. PHILLIPS, M. RICHARDS, M. Heinemann Advanced Music: Student Book. Heinemann, 2001
MUSICAEADORACAO. Modos antigos. Disponível em: Acesso em 02 nov 2008.
MAcNALL BURNS, Edward. Western Civilizations, Their History and Their Culture. W. W. Norton & Co. Inc., N. York).
ORLANDIS, José. História breve do Cristianismo. Tradução de Osvaldo Aguiar - Lisboa: Rei dos Livros, 1993.
PIERRARD, Pierre. Histoire de l'Eglise Catholique. Desclée & Cie. Paris, 1978
RAINHA DA PAZ. Música renascentista. Disponível em: > Acesso em em 02 nov 2008.
ROPS, Daniel. L'Église de la Renaissance et de la Réforme. (II) Une ère de renouveau: La réforme catholique. Pub. Lib. Arthème Fayard, Paris).
SPECTRUMGOTHIC. Música Medieval. Disponível em Acesso em 02 nov 2008.
TIOSAM. Organum. Disponível em: Acesso em em 02 nov 2008.
WOHL, Louis de. Fundada sobre a rocha, história breve da Igreja. Tradução de Teresa Jalles - Lisboa: Rei do Livros, 1993.

ANEXOS

ANEXO 1 - CRONOLOGIA DOS CONCÍLIOS ECUMÉNICOS

Número Local e designação Duração do Concílio Temas principais

1º Niceia I 20 de Mai. a 25 de Jul. de 325 A heresia de Ário. Redacção do Símbolo ou Credo que se recita na missa.

2º Constantinopla I Mai. a Jul. de 381 A divindade do Espírito Santo.

3º Éfeso 22 de Jun. a 17 de Jul. de 431 A heresia de Nestório. A maternidade divina de Maria.

4º Calcedónia 8 de Out. a 1 de Nov. de 451 Condenação do monofisismo. A existência em Jesus Cristo de duas naturezas completas e perfeitas na unidade da pessoa, que é divina.

5º Constantinopla II 5 de Mai. a 2 de Jun. de 533 Condenação de documentos nestorianos designados Os Três Capítulos.

6º Constantinopla III 7 de Nov. de 680 a 16 de Set. de 681 Condenação do monotelismo.

7º Niceia II 24 de Set. a 23 de Out. de 787 Legitimidade da veneração de imagens.

8º Constantinopla IV 5 de Out. de 869 a 28 de Fev. de 870 Condenação e deposição de Fócio, patriarca de Constantinopla

9º Latrão I 18 de Mar. a 6 de Abr. de 1123 A Questão das Investiduras. Independência da Igreja perante o poder temporal.

10º Latrão II Abril de 1139 Fim do cisma do Antipapa Anacleto II

11º Latrão III Março de 1179 Normas para a eleição do Papa.

12º Latrão IV 11 de Nov. a 30 de Nov. de 1215 Condenação do catarismo. Definição de transubstanciação. Preceito pascal.

13º Lião I 28 de Jun. a 17 de Ju. de 1245 Deposição do Frederico II.

14º Lião II 7 de Mai. a 17 de Jul. de 1274 União com a Igreja Grega. Regulamentação do conclave para a eleição papal. Cruzada para libertar Jerusalém.

15º Vienne 16 de Out. de 1311 Supressão dos Templários.

16º Constança 5 de Out. de 1414 a 22 de Abr. de 1418 Fim do Grande Cisma
do Ocidente. Condenação de Wyclif e de Hus. Eleição do Papa Martinho V

17º Basileia-Ferrara-Florença 1431-1432 União com as Igrejas orientais. Reconhecimento no romano pontífice de poderes sobre a Igreja Universal.

18º Latrão V 10 de Mai. de 1512 a 16 de Mar. de 1517 Condenação do concílio cismático de Pisa (1409-1411). Reforma da Igreja.

19º Trento 13 de Dez. de 1545 a 4 de Dez. de 1563 Reforma geral da Igreja, sobretudo por causa do protestantismo. Confirmação da doutrina acerca dos sete sacramentos e dos dogmas eucarísticos

20º Vaticano I 8 de Dez. de 1869 a 18 de Jul. de 1870 Dogmas sobre o Primado do Papa e da infalibilidade pontifícia.

21º Vaticano II 11 de Out. de 1962 a 8 de Dez. de 1965 Abertura da Igreja aos tempos actuais. Reforma da Liturgia. Constituição da Igreja, alicerçada na igual dignidade de todos os fiéis. Revelação divina. Liberdade religiosa. Ecumenismo. Apostolado dos leigos.

Um comentário:

Anônimo disse...

Seria interessante se fazer um posto sobre o Sanctus e Benedictus da Missa Papa Marcello.