domingo, 30 de agosto de 2009

Planejamento de arco na prática orquestral: considerações e aplicações em grupos semi-profissionais.

Artigo apresentado no XVI Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Música.

Por Eliseu Ferreira (UFGO) e Sonia Ray (UFGO)

Resumo:
Esse trabalho aborda aspectos do uso do arco na execução dos instrumentos de cordas friccionadas no repertório orquestral tradicional. Partindo da análise fe aspectos básicos relacionados ao movimento do arco e seu contato com o instrumento, mostraremos a importância do assunto para os regentes de orquestra, principalmente aqueles que lidam com orquestras juvenis, e como o conjunto desses fatores influenciam no resultado final, qual seja, a performance musical. O texto se fundamenta em conceitos de uso do arco propostos por Dourado (1998) e Salles (1999). O objetivo foi discutir o uso do arco e sugerir opções de arcadas considerando direção, distribuição, velocidade, ponto de contato, peso e golpes de arco em trechos selecionados do repertório.

Artigo completo aqui.

Interpretação e execução: reflexões sobre a prática musical

Artigo da Revista Per Musi.

Por Leonardo Loureiro Winter (UFRGS)e Fernando José Silveira (UNIRIO).

Resumo: A finalidade desse artigo é demonstrar como as informações obtidas através da pesquisa e análise auxiliam na interpretação e execução de uma obra musical. A partir desse objetivo, são examinadas diferenças entre o trabalho do compositor e do intérprete, as características notacionais de uma partitura e dos processos que envolvem a leitura musical, as diferenças entre interpretação e performance crítica, bem como investigados os papéis da análise e pesquisa na elaboração de perguntas investigativas que auxiliem a interpretação e a execução musical.

Artigo completo aqui.

Missa de Notre Dame de Guillaume de Machaut

INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objetivo analisar aspectos históricos, sociais, políticos e estéticos da Idade Média.
No primeiro e segundo capítulo será apresentada a história da sociedade e da Igreja Cristã desde a Baixa Idade Média até o século XIV, abordando tópicos considerados primordiais para o entendimento do objetivo final do trabalho, como as categorias e formas do cantochão e seu desenvolvimento, assim como a transição entre a Ars Antiqua e a Ars nova.
No terceiro capítulo faremos uma análise biográfica do compositor Guillaume de Machaut, falando de sua história e suas obras.
A análise da obra será feita no quarto capítulo, no qual falaremos sobre o ordinário da missa e os elementos usados pelo compositor na obra apresentada. No último capítulo serão apresentadas nossas conclusões e considerações finais.

1. CONTEXTO HISTÓRICO DA EUROPA OCIDENTAL NA BAIXA IDADE MÉDIA
Na baixa Idade Média, por volta de fins do século XIII, a produtividade agrícola já dava sinais de declínio, prenunciando uma possível falta de alimentos, devido ao esgotamento dos solos, enquanto a população continuava apresentando tendências de crescimento. A exploração predatória e extensiva dos domínios, que caracterizara a agricultura feudal, fazia com que o aumento da produção se desse, em sua maior parte, com a anexação de novas áreas (que não estava mais ocorrendo) e não com a melhoria das técnicas de cultivo.
Agravaram-se as contradições entre o campo e a cidade. A produção agrícola não respondia às exigências das cidades em crescimento. Nos séculos XI, XII e primeira metade do século XIII, a utilização de novas terras e as inovações técnicas permitiram uma ampliação da produção. Na última década do século XIII já não restavam terras por ocupar, e as utilizadas estavam cansadas, gerando uma baixa produtividade. As inovações técnicas anteriores já não respondiam às novas necessidades. Além disso, a substituição do trabalho assalariado ocorria muito lentamente. Com a insuficiente produção agrícola e a estagnação do comércio, a fome se alastrou pela Europa. A partir do início do século XIV, uma profunda crise anunciou o final da época medieval. Fome, pestes, guerras e rebeliões de servos atingiram a essência do sistema feudal.
A peste negra amedrontou a Europa e abalou a economia. Cidades ricas foram destruídas e abandonadas pelos seus habitantes desesperados à procura de um lugar com ar puro e sem pessoas infectadas. Os servos morriam e as plantações ficavam destruídas por falta de cuidados. Por esta causa os Senhores Feudais começaram a receber menos tributos diminuindo seus rendimentos. Os senhores feudais viram seus rendimentos declinarem devido à falta de trabalhadores e ao despovoamento dos campos. Procuraram então, de todas as maneiras, superar as dificuldades. Por um lado, reforçaram a exploração sobre os camponeses, aumentando as corvéias (que consistiam na obrigação de prestar ao senhor serviços gratuitos de tipo variado como: trabalho na lavoura, construção de cercas e pontes, entrega de pilhas de lenha, durante determinados dias da mesma) e demais impostos, para suprir as necessidades de ostentação e consumo, dando origem à "segunda servidão". Por outro, principalmente nas regiões mais urbanizadas, os nobres passaram a arrendar suas terras, substituindo a corvéia por pagamento em dinheiro e dando maior autonomia aos camponeses, alterando bastante as relações de produção. A mortalidade trazida pelas chuvas, fome e peste negra foi ainda ampliada pela longa guerra entre os reis de Inglaterra e França, que entre combates e tréguas, durou mais de um século (1337/1453): a Guerra dos Cem Anos.
Entre batalhas vencidas ora por ingleses ora por franceses e períodos de trégua, a guerra aumentou as dificuldades da nobreza e agravou a situação de miséria dos servos.
Por fim, um fator fundamental para a quebra das estruturas do sistema feudal foi a longa série de rebeliões dos servos contra os senhores feudais. Ainda que momentaneamente derrotados, os levantes dos servos foram tornando inviável a manutenção das relações de servidão. A partir do século XIV, com mais rapidez em algumas regiões e menor em outras, as obrigações feudais foram se extinguindo. (BRASILESCOLA, 2006)

2. A ARTE DA EUROPA OCIDENTAL NA BAIXA IDADE MÉDIA

2.1 Arte Gótica
O estilo Gótico desenvolveu-se na Europa, principalmente na França, durante a Baixa Idade Média e é identificado como a Arte das Catedrais. A partir do século XII a França conheceu transformações importantes, caracterizadas pelo desenvolvimento comercial e urbano e pela centralização política, elementos que marcam o início da crise do sistema feudal. No entanto, o movimento a arraigada cultura religiosa e o movimento cruzadista preservavam o papel da Igreja na sociedade.
Enquanto a Arte Românica tem um caráter religioso tomando os mosteiros como referência, a Arte Gótica reflete o desenvolvimento das cidades. Porém deve-se entender o desenvolvimento da época ainda preso à religiosidade, que nesse período se transforma com a escolástica , contribuindo para o desenvolvimento racional das ciências, tendo Deus como elemento supremo. Dessa maneira percebe uma renovação das formas, caracterizada pela verticalidade e por maior exatidão em seus traços, porém com o objetivo de expressar a harmonia divina.

O termo Gótico foi utilizado pelos italianos renascentistas, que consideravam a Idade Média como a idade das trevas, época de bárbaros, e como para eles os godos eram o povo bárbaro mais conhecido, utilizaram a expressão gótica para designar o que até então chamava-se "Arte Francesa ".

A arquitetura foi a principal expressão da Arte Gótica e propagou-se por diversas regiões da Europa, principalmente com as construções de imponentes igrejas. Apoiava-se nos princípios de um forte simbolismo teológico, fruto do mais puro pensamento escolástico: as paredes eram a base espiritual da Igreja, os pilares representavam os santos, e os arcos e os nervos eram o caminho para Deus. Além disso, nos vitrais pintados e decorados se ensinava ao povo, por meio da mágica luminosidade de suas cores, as histórias e relatos contidos nas Sagradas Escrituras. (BRASILESCOLA, 2006).

Do ponto de vista material, a construção gótica, de modo geral, se diferenciou pela elevação e desmaterialização das paredes, assim como pela especial distribuição da luz no espaço. Tudo isso foi possível graças a duas das inovações arquitetônicas mais importantes desse período: o arco em ponta, responsável pela elevação vertical do edifício, e a abóbada cruzada, que veio permitir a cobertura de espaços quadrados, curvos ou irregulares. No entanto, ainda considera-se o arco de ogiva como a característica marcante deste estilo.

A primeira das catedrais construídas em estilo gótico puro foi a de Saint-Denis (veja ilustração abaixo), em Paris, e a partir desta, dezenas de construções com as mesmas características serão erguidas em toda a França. A construção de uma Catedral passou a representar a grandeza da cidade, onde os recursos eram obtidos das mais variadas formas, normalmente fruto das contribuições dos fiéis, tanto membros da burguesia com das camadas populares; normalmente as obras duravam algumas décadas, algumas mais de século.



A escultura gótica desenvolveu-se paralelamente à arquitetura das Igrejas e está presente nas fachadas, tímpanos e portais das catedrais, que foram o espaço ideal para sua realização. A escultura pode ser vista como um complemento à arquitetura, na medida em que a maior parte das obras foi desenvolvida separadamente e depois colocadas no interiro das Igrejas, não fazendo parte necessariamente da estrutura arquitetônica.

A pintura teve um papel importante na arte gótica pois pretendeu transmitir não apenas as cenas tradicionais que marcam a religião, mas a leveza e a pureza da religiosidade, com o nítido objetivo de emocionar o expectador.
2.2 A Música
A Idade Média, considerada desde o Romantismo a época mais importante na formação da civilização européia, caracteriza-se por valores culturais de inspiração clássica, mas subordinados a finalidades éticas e religiosas, isto é, cristianizados. Assim, embora os autores clássicos sejam lidos e estudados - filósofos, oradores e poetas, tais como Aristóteles, Cícero, Sêneca, Virgílio e Ovídio -, as suas obras são selecionadas e adaptadas à nova mentalidade, de inspiração cristã, a qual só assimila os valores culturais adequados aos princípios morais e religiosos por que se rege. E a estrutura hierárquica que domina a sociedade medieval abrange também a cultura, em que o estudo da Teologia ocupa o primeiro lugar, pois o ideal de vida do homem medieval é essencialmente teocêntrico. Nesta época, o mundo divino constitui a verdadeira realidade: assim se explica a visão do universo em dois planos, expressa através do alegorismo, que interpreta o mundo terreno como símbolo de espírito e do sobrenatural.
Os primeiros centros difusores da cultura medieval são os conventos, onde o latim, língua da Igreja e língua culta por excelência (adotada por todas as pessoas letradas, abrangidas pela designação de clercs ou clérigos), serve de veículo à cultura monástica ou médio-latinística, expressa por meio de obras religiosas, morais e filosóficas, e também por uma poesia de amor idealizado, que muito deve à retórica clássica. Mas na Idade Média surge também uma cultura em língua vulgar que, refletindo a atmosfera cavaleiresca, aspira a um novo ideal e afirma um conceito de vida já inteiramente alheio aos valores religiosos: a escola poética provençal. Nesta época a cultura é essencialmente transmitida por via oral: pregação dos monges, leitura escutada da Bíblia e, de livros religiosos e profanos, canto litúrgico, poesias cantadas por trovadores e jograis. Os santuários, onde convergiam os peregrinos, vindos dos mais diversos pontos do mundo cristão, e as capelas, centro de romarias locais, podem considerar-se o foco de irradiação dessa cultura oral, predominantemente em língua vulgar ou romanço. Assim, de acordo com o dualismo lingüístico que a caracteriza, a Idade Média define-se por dois tipos de cultura, que coexistem e por vezes se influenciam, mas que permanecem fundamentalmente alheios, como dois mundos opostos: a cultura laica ou profana, transmitida oralmente, em língua vulgar; a cultura monástica, escrita e erudita, inicialmente só expressa em latim, mas adotando depois a língua vulgar em traduções. A primeira, divulgada pelo canto nas romarias ou peregrinações e nas cortes dos reis e dos grandes senhores, é constituída por composições em verso, líricas e sátiricas, abrangidas sob a designação de poesia trovadoresca.
Enquanto os alicerces da igreja católica eram abalados pelos violentos conflitos de dois papas rivais, os compositores voltaram seu foco criativo para a música secular. A visão dos prazeres da vida, do luxo das cortes com seus palácios, imensos jardins e fontes abrigando banquetes e danças, persistiu junto com os horrores da peste negra e da Guerra dos Cem anos.

2.2.1 Harmonias paralelas - cantochão
A música oficial da Igreja na alta Idade Média, o canto gregoriano ou cantochão tinha como característca a monofonia (todas as vozes de um coro cantam a mesma linha melódica). No entanto, no ambiente profano, desenvolveu-se a chamada música de caça (chace), ou cânone, onde vozes cantando uma mesma melodia entram sucessivamente, separadas por um ou mais compassos, como se cada voz "caçasse", perseguisse a que começou a cantar antes. Provavelmente dessas músicas surgem as primeiras ídéias para uma nova organização musical, o estilo polifônico, ou seja, vozes cantando melodias diferentes ao mesmo tempo. Num primeiro instante (séc. IX), foi acrescentado à voz principal (vox principalis), que era um cantochão, uma segunda voz, a voz organal (vox organalis), que consistia numa duplicação da voz principal uma quarta ou quinta abaixo, o que dá a essa música a sonoridade característica da época medieval.
Mas era necessário evitar o trítono (diabulus in musica), que é o intervalo de quarta aumentada ou seu enarmônico quinta diminuta, como, por exemplo, o intervalo entre as notas fá e si, considerado dissonante na época. Visando esse objetivo, começaram a ser permitidos outros intervalos e, outros movimentos, além do paralelo, foram adotados. O primeiro foi o movimento contrário, depois vieram o movimento oblíquo e o movimento direto. Com isso, a voz organal se liberta cada vez mais da voz principal, terminando por ser escrita acima desta, se estabelecendo como voz mais aguda (séc. XI). A esse organum deu-se a denominação de organum livre. Posteriormente, o ritmo da voz organal se torna independente também, ao executar várias notas contra apenas uma sustentada pela voz principal (organum melismático, séc. XII).
A melodia cantada pela voz principal, baseada normalmente no repertório cantochão, tem o nome de cantus firmus e a voz principal passa a se chamar tenor (do latim tenere, sustentar), posto que ele sustenta longas notas.
Nessa etapa de sua evolução, o nome organum era aplicado exclusivamente a este desenho de uma nota no tenor para várias na voz organal. Para o estilo nota contra nota (punctus contra punctum, ou simplesmente contraponto) foi dado o nome de descante.
Com a construção da catedral de Notre Dame em Paris, onde deveria haver um grande eflúvio de pessoas e, por conseguinte, de culturas, a composição de organa chega ao auge, sendo seus principais representantes Léonin e Perotin (séc. XII e XIII), mestres de coro da catedral.
O organum a partir de então começa a ser superado pelo contraponto descante. Posteriormente, reaparecerá, com ritmos modais na voz mais aguda.
Como informação adicional temos os seguintes tipos de organum: (TIOSAM, 1999)
a) paralelo – Os organa paralelos são as primeiras obras polifônicas que se tem notícia. Datam do século IX. Consistiam na duplicação de um cantochão, cantado pela vox principalis, pela vox organalis, normalmente uma quarta ou quinta abaixo. Uma outra forma seria a duplicação da vox principalis uma oitava abaixo e a duplicação da vox organalis acima das outras três.
b) Livre – Desenvolvimento do organum paralelo. No século XI observavam-se os movimentos das vozes em paralelo, oblíquo, contrário e direto. As notas não eram executadas somente em estrito contraponto. A vox organalis passa a ser escrita acima da vox principalis.
c) melismático – Séc. XII. O tenor mantia as notas longas enquanto a vox organalis se desenvolvia suavemente através de notas mais curtas acima (melisma é o nome que se dá a um grupo de notas cantadas para apenas uma sílaba do texto).
d) de Notre Dame
I. Léonin – Mestre de coro da catedral de Notre Dame, Léonin usava um cantochão de estilo silábico, isto é, de uma nota para cada sílaba, e aumentava os valores das notas de forma que elas talvez fossem tocadas ao invés de cantadas, sendo esta a parte do tenor. Acima desta linha, ele compunha um duplum, com notas mais rápidas e com ritimos tirados das danças e da poesia. Léonin inseria em seus organa uma parte conhecida como clausula, onde o estilo contrapontual (descante) era utilizado.
II. Perotin – Sucessor de Léonin (de 1180 a 1225) no coro da catedral, Perotin introduz modificações como o triplum (uma terceira voz, acima do duplum) e o quadruplum (uma quarta voz). Perotin também compõe várias clausulae. (WIKIPEDIA, 2006)

2.2.2 Notação Musical
A notação musical foi desenvolvida quando se tornou essencial, mais uma vez mostrando-se a necessidade mãe da invenção. Perto do ano 600 d.C., o papa Gregório, o grande, determinou que fossem sistematizadas as variações da escala, ou modo musical, habitualmente usadas na música litúrgica cristã. Identificou-as utilizando as letras do alfabeto, como ainda hoje é feita com a notação moderna das pautas, e deu-lhes um nome a partir de designações gregas antigas já ligadas à diferentes escalas. Estas ficaram conhecidas como modos gregorianos e sobrevivem no cantochão sagrado católico romano.
Com o decorrer do tempo, os compositores acharam os simples modos gregorianos muito pouco elaborados, desprezando-os por vezes em proveito das escalas diatônicas, formadas por tons e semitons. Agora os tons podiam ser registrados utilizando-se letras, embora nem sempre fosse óbvio se o intervalo de uma para outra era ascendente ou descendente, sem mencionar o fato de algumas notas deverem ser cantadas mais rapidamente que outras.
"O canto gregoriano fazia uso dos modos gregos, cujo sistema consiste numa dos efeitos dados pelas diferentes distribuições de intervalos, conforme estejam constiuídas as escalas, e dependendo da nota que seja tomada, nos mais diferentes contextos como tônica (ou nota fundamental). Os gregos chamam ethos o caráter de cada modo, vendo nele uma qualidade mimética e uma potencialidade ética: a capacidade de infundir ânimo e potencializar virtudes do corpo e do espírito" (Cf. WISNICK, 1989, p. 78-9). São os seguintes os modos gregorianos:



OBS.: 1. Os modos HIPO são uma 4ª abaixo dos seus relativos.
2. As figuras acima mostram os semitos de cada modo.
3. As figuras abaixo mostram as extensões dos modos acima.



No modo frígio a ascendência das notas "'é longa e penosa', e mais de acordo com o clima ascético da liturgia medieval, ao contrário do lídio e do jônico, muito 'abertos' e pouco usados no canto gregoriano" (Cf. WISNICK, p. 218).
2.2.3 Ars antiqua
Ao longo dos séculos e sob a influência de novas maneiras de cantar, o Gregoriano se modificou, mas conservando o seu caráter monódico, uma vez que ele favorecia a concentração religiosa. No século XIII, certos contracantos clandestinos se infiltraram na melodia tradicional, subvertendo a liturgia que fixava os Tons da Igreja. Com reprovação, os religiosos viram também que sua música começava a denotar traços da criação musical erudita que se cultivava nos castelos e até das canções populares dos aldeões.
Livre da rigidez litúrgica, esta música profana que podia reunir várias melodias no mesmo canto era uma escapada na direção da polifonia. E o povo, ajudado pelos trovadores (que falaremos em tópico específico), acabaria impondo sua fusão com o canto tradicional.
Grande parte dos avanços da "Ars Antiqua" deve ser atribuída ao Mestre Leoninus e a seu aluno, Perotinus, que trabalhavam na Catedral de Notre-Dame, em Paris. Mas, esses dois compositores, assim como outros da Idade Média, não puderam ir muito longe, tolhidos pela precariedade dos meios de escrita musical ainda precários na época.
As sete primeiras letras representavam os sete sons da escala, começando pela nota lá. Depois, criaram-se os neumas, sinais oriundos dos acentos grave, agudo, circunflexo, e do ponto. Porém, a notação neumática tinha o defeito de não indicar a altura nem a duração dos sons. Melhor que ela, era o método do monge Guido d'Arezzo (995-1050) (mestre de coro da Catedral de Arezzo na Toscana e encarregado do coro da escola por volta de 1030), conhecendo certamente os progressos musicais, e sendo ele próprio um músico inventivo, concebeu um sistema para aprender música “de ouvido” que adotou uma pauta de quatro linhas e definiu as claves de fá e dó para registrar a altura dos sons. Além disso, d'Arezzo deu nome às notas, tirando as sílabas iniciais de um hino a São João Batista:

Ut queant laxis Para que possam
REsonare fibris ressoar as maravilhas
MIra gestorum de teus feitos
FAmuli tuorum com largos cantos
SOLve polluti apaga os erros
LAbi reatum dos lábios manchados
Sancte Ioannes. Ó São João.

Outra tradução é: Para que nós, servos, com nitidez e língua desimpedida, o milagre e a força dos teus feitos elogiemos, tira-nos a grave culpa da língua manchada, São João
Cada articulação da mão de Guido foi associada a um intervalo da escala, de tal modo que os meninos do coro de Arezzo sabiam exatamente qual nota deveriam cantar: Guido afirmava que assim se poderia aprender música em apenas alguns dias, em vez de levar várias semanas. Solfège ou solfeggio (solfejo), como o sistema ficou conhecido, foi rapidamente adotado pelos estudantes de canto para a memorização de exercícios vocais. Durante o século XIX, o sistema de Guido foi adaptado para transformar-se no sol-fá tônico dos nossos dias, e usado para ensinar não-músico a cantar música coral. Foi nessa época que alguns tons foram reformulados de modo a facilitar o canto. Ut tornou-se dó, sa tornou-se te (em francês si). O Mensuralismo, inventado por Walter Oddington e Franco de Colônia no século XII, também ajudou a evoluir a técnica musical. Era um sistema que permitia medir o tempo sonoro, determinando uma duração espeçífica para cada nota (breve, semibreve, mínima, semínima, colcheia, semicolcheia, fusa, semifusa, quartifusa). (VIENNA, 2006) (VIOLAO, 2000)

Vale lembrar que em meados do século XIII, a sutileza da organização musical era de tal ordem que exigia um novo e mais preciso método de notação para traduzir a duração extra de cada nota, bem como as pausas intervenientes. Linhas e compassos estavam ainda por ser inventados, mas a métrica musical encontrava-se já dividida em perfeito, três tempos (ligados à Santíssima Trindade e, por isso, mais adequados à música de igreja), representado por um círculo, e imperfeito, dois tempos, representado por um semicírculo como um "C". A igreja discordou do "C" e recomendou o "O". Em termos modernos, as valsas vienenses estavam na moda e as marchas, não. As danças populares sempre preferiam "O", mas os hinos anglicanos e os coros luteranos estão mais próximos do "C". Há sem dúvida exceções e combinações - por exemplo, a jiga no compasso de 6/8 (a melodia Lilliburlero é um exemplo conhecido). A moderna notação em claves aguda e grave ficou definida somente em 1600 e, desde então, tem-se desenvolvido nitidamente - até os tempos modernos.
É importante saber que essa arte desenvolve-se entre 1240 e 1325, e suas formas musicais perduram até o fim da Idade Média: o conductus, o moteto, o hoqueto e o rondeau. O moteto é composto a partir de textos gregorianos que recebem um segundo texto, independente e silábico, cada vogal corresponde a uma nota, seja esta repetição ou não da antecedente. Essa necessidade de cantar cada vogal num novo som impulsiona a notação rítmica. Os motetos que mais se destacam são realizados com textos profanos sobre organuns católicos.
Percebamos que esse nome foi dado pelos compositores da então chamada ars nova e que a ars antiqua tem como principal forma musical o organum, e como maiores representantes os compositores da Escola de Notre Dame (Schola Cantorum), em Paris. A ars antiqua representa o início da polifonia na música ocidental.
2.2.4 Ars nova
No início do século XIV, sob a influência da arte poética e musical (Ars Nova) da França, num momento em que a poesia e a literatura italianas voltavam a desabrochar, apareceram o madrigal, a balada e a caça.
Tal é o caso da música polifônica medieval européia que, ao inaugurar a noção de tempo métrico na civilização ocidental, foi gradativamente desestruturando a ordem religiosa-eclesiástica dos séculos XIII e XIV, prosseguindo até o advento da criação do método científico moderno, no qual a mensuração temporal desempenha um papel de fundamental importância.
Muito significativamente, o século XIV é palco de intensas e profundas transformações tanto sociais quanto políticas, período de crises que repercutirão nos séculos seguintes; e, no âmbito cultural e artístico, momento no qual intelectuais e artistas procuram a diversificação de idéias, novos procedimentos e novas propostas estéticas que marcarão profundamente a mentalidade européia medieval.
O movimento artístico denominado Ars Nova, responsável pela estruturação relativamente concisa de um novo método de notação musical, estabelece definitivamente uma nova ordem estética que simultaneamente se identifica com a ideologia eclesiástica predominante e inaugura a polifonia medieval. Ou seja, subjacente ao desenvolvimento simultâneo de várias melodias que aparentemente serviam de forma exclusiva ao poder religioso vigente, encontra-se presente aquele elemento estético e artístico que paulatinamente iria desestabilizá-lo: a noção de tempo métrico aplicado à composição musical que expressa e representa, assim como a ideologia religiosa da Igreja Católica, a ideologia da classe burguesa em ascendência.
É justamente no século XIV que uma das mais significativas obras do repertório polifônico será composta: trata-se da peça Messe de Nostre-Dame, composta por cinco partes: Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus e Agnus Dei , do compositor francês Guillaume de Machaut (1300-1377) (poeta da côrte francesa de Carlos V, criador de cantigas e baladas profanas), considerada uma das composições mais representativas da Ars Nova.
2.2.5 A novidade da ars nova
Quando nasceu, na França, a polifonia erudita consistia numa forma bastante simples de tirar efeito de um som contra outro. Mas esse jogo de "punctus contra punctus" - o contraponto - facilitou a criação de novas formas vocais, como o Motete (trata de amor, política e questões sociais), o Conducto e o Rondó.
O grande teórico da Ars Nova foi o Bispo Filipe de Vitry. Entretanto muitos outros também cuidaram de dar precisão matemática às regras do canto coral, tornando já conscientes certas combinações harmônicas.
Sem poder competir com as inovações da música profana, o canto católico se encerrou nas igrejas. Esse recolhimento não o prejudicou: ao contrário, foi a partir de então que ele se desenvolveu numa forma de expressão litúrgica, a Missa. Graças a ela, ganharam evidência os organistas e mestres de capela. Contudo, o verdadeiro espírito da Ars Nova do século XIV se revela é na fusão da música erudita com a popular. (VIOLAO, 2000)
2.3 NOTRE DAME DE PARIS
2.3.1 Construção
É uma das mais antigas catedrais francesas em estilo gótico. Iniciada sua construção no ano de 1163, é dedicada a Maria, Mãe de Jesus Cristo (por isso o nome Notre-Dame – Nossa Senhora), situa-se na praça Parvis, na pequena ilha Ile de la Cité em Paris, França, rodeada pelas águas do rio Sena.
A catedral surge intimamente ligada à ideia de gótico no seu esplendor, ao efeito claro das necessidades e aspirações da sociedade da altura, a uma nova abordagem da catedral como edifício de contato e ascensão espiritual.
A arquitetura gótica é um instrumento poderoso no seio de uma sociedade que vê, no início do século XI, a vida urbana transformar-se a um ritmo acelerado. A cidade ressurge com uma extrema importância no campo político, no campo econômico (espelho das crescentes relações comerciais), ascendendo também, por seu lado, a burguesia endinheirada e a influência do clero urbano. O resultado disto é uma substituição também das necessidades de construção religiosa fora das cidades, nas comunidades monárquicas rurais, pelo novo símbolo da prosperidade citadina, a catedral gótica. E como reposta à procura de uma nova dignidade crescente no seio de França, surge a Catedral de Notre-Dame de Paris.
O local da catedral contava já, antes da construção do edifício, com um sólido historial relativo ao culto religioso. Os celtas teriam aqui celebrado as suas cerimônias onde, mais tarde, os romanos erigiriam um templo de devoção ao deus Júpiter. Também neste local existiria a primeira igreja do cristianismo de Paris, a Basílica de Saint-Etienne, projetada por Childeberto por volta de 528 d.C.. Em substituição desta obra surge uma igreja românica que permanecerá até 1163, quando se dá o impulso na construção da catedral.
Já em 1160, e em resultado da ascensão centralizadora de Paris, o Bispo Maurice de Sully considera a presente igreja pouco digna dos novos valores e manda-a demolir. O gótico inicial, com as suas inovações técnicas que permitem formas até então impossíveis, é a resposta à demanda de um novo conceito de prestígio no domínio citadino. Durante o reinado de Luís VII, e sob o seu apoio (visto o monarca central ter também no século XII um poder crescente), este projeto é abençoado financeiramente por todas as classes sociais com interesse na criação do símbolo do seu novo poder. Assim, e tendo em conta a grandeza do projeto, o programa seguiu velozmente e sem interrupções que pudessem ocorrer por falta de meios econômicos.
A construção inicia-se em 1163 refletindo alguns traços condutores da Catedral de Saint Denis, subsistindo ainda dúvidas quando à identidade de quem terá "colocado" a primeira pedra, o Bispo Maurice de Sully ou o Papa Alexandre III. Ao longo do processo (a construção, incluindo modificações, durou até sensivelmente meados do século XIV) foram vários os arquitetos que participaram no projeto, esclarecendo este fator as diferenças estilísticas presentes no edifício.
Em 1182 presta já o coro serviços religiosos e, na transição entre os séculos, está a nave terminada. No início do século XIII arrancam as obras da fachada oeste com as suas duas torres estendendo-se a meados do mesmo século. Os braços do transepto (de orientação norte-sul) são trabalhados de 1250 a 1267 com supervisão de Jean de Chelles e Pierre de Montreuil. Simultaneamente levantam-se outras catedrais ao seu redor num estilo mais avançado do gótico; a Catedral de Chartres, a Catedral de Reims e a Catedral de Amiens.
Notre Dame, portanto, não era um tesouro antigo; era a estrutura mais nova e mais alta de Paris, e suas duas torres podiam ser vistas por toda parte. Dentro da catedral não havia fileiras bem arrumadas de genuflexórios, mas palha e estrume de animais de passo lento, levados para dentro durante o frio do inverno por seus proprietários. Com o mal tempo, o mercado na praça em frente à igreja se esvaziava: compradores e vendedores procuravam abrigo e calor sob o teto do templo.



2.3.2 A música e suas influências
Tornou-se o centro da música ocidental, quando a própria França passou a ser o foco da vida cultural da Europa medieval. Essa música tem a marca inconfundível da Europa, especialmente nos trabalhos dos dois primeiros compositores cujos nomes chegaram até nós - Léonin e Pérotin, que atuavam como mestres de música em Notre Dame entre 1150 e 1236. Sua prática do orgamun constitui uma verdadeira revelação, como os raios do sol filtrados através do extraordinário vermelho e azul dos vitrais da catedral (VIENNA, 2006). Pela primeira vez, três e quatro vozes distintas podiam ser combinadas em partes que não eram improvisadas, mas sim o produto de um único artista criativo. As harmonias eram controladas por seu senso de compatibilidade de intervalos e condução de voz. Nessa música, os únicos intervalos regularmente tolerados eram a oitava, a quinta e a quarta. As terceiras e as segundas eram admitidas como perturbações momentâneas, ocasionadas por movimentos independentes das vozes. Em Organum para três ou quatro vozes, cada parte parece ter sido acrescentada separadamente sobre um Cantus Firmus, ou canto de acompanhamento, geralmente extraído do cantochão. Era mais importante que as vozes acrescentadas combinassem mais plenamente com o Cantus Firmus do que entre si.
O número de vozes distintas usadas no Organum parece que estava relacionado à importância da ocasião no calendário eclesiástico, como por exemplo o trabalho a quatro vozes de Pérotin, longo e maravilhosamente elaborado, que começa com as palavras Sederunt Principes. Em tal música, uma única sílaba do Cantus Firmus pode ser mantida, por um minuto ou mais, como um suporte, enquanto as outras vozes elaboram os ornamentos. As cópias escritas da música de Léonin e Pérotin devem sua sobrevivência à sua fama. O trabalho de cópia deve ter sido feito pelos Monges Irlandeses, que se encontravam entre os mais capazes transcritores de música, e que eram recrutados já no tempo de Carlos Magno para as escolas capitulares no continente.
As regras para a música estabelecidas em Notre Dame baniram todos os intervalos, exceto os mais puros. Porém, ao mesmo tempo, longe dos esplendores de Paris, ouvia-se um outro som, o de vozes que se movimentavam em terças paralelas. Para a rigorosa mente eclesiástica francesa, essas harmonias eram bárbaras, um caminho certo para o diabo - ter-se-iam originado com as canções populares e, por isso, associavam-se ao carnal e ao sensual. Nas Ilhas Orkney, ao norte do território principal da Escócia, foi descoberta uma das mais antigas provas do uso de terças paralelas, o Hymn to Saint Magnus, um santo padroeiro da região. Constitui um dos muitos indícios de que a prática tenha vindo da Islândia e da Escandinávia, onde as terças paralelas não eram proibidas. É provável que os Vikings tenham gostado de música cantada em terças paralelas, já na idade do ferro sua trompa de metal, o Lur, estava bastante disseminada. Provavelmente, os etruscos trouxeram para a área a arte de trabalhar o cobre, e as trompas metálicas em pares e grupos já eram conhecidas no início dos tempos romanos. Esses instrumentos têm bom som quando tocados ao intervalo de terças. Talvez isso tenha influenciado a prática musical na canção, particularmente depois da conquista da Inglaterra, no século XI, onde os duetos de todas as espécies eram populares, incluindo os instrumentos que se destinavam à dança. Os mestres de música ingleses foram os primeiros a declarar oficialmente que o intervalo de uma terça era aceitável.
A polifonia parece ter sido uma arte norte-européia e o seu desenvolvimento em Compostela deve ter sido uma espécie de esporte (VIENNA, 2006). A mais antiga coletânea de obras de Compostela, o Codex Calixtinus, é um volume de aparência muito moderna para o século XII, utilizando uma notação do cantochão em quatro linhas antes do seu uso universal; mas a grande maioria das obras que ele contém consiste em cantochão, e a mais famosa das obras polifônicas dele, o Congaudeant catholici, é atribuída a Mestre Alberto de Paris.
De muitos modos o surgimento das cidades teve tanto efeito quanto o novo prestígio da música e estudo acadêmico da sua teoria. Nas cidades a música tornou-se uma necessidade social e cerimonial com a formação das bandas citadinas de guardas, Standtpfeifer e Pifferi que tornaram a música instrumental mais popular e respeitável. Ao mesmo tempo, os cidadãos abastados davam cada vez mais dinheiro à Igreja para possibilitar parte de todo esse desenvolvimento.
Inevitavelmente, o tipo de música ouvido fora da Igreja começou a influir na música ouvida dentro dela. A introdução de instrumentos no culto levou o compositor religioso às técnicas, ritmos e estilos melódicos empregados na música secular. É certo que a música secular dos séculos XII e XIII, com seus ritmos dançáveis e os idiomas melódicos dos compositores de Limoges e Notre Dame, introduziram tanto falas como os instrumentos do mundo secular na Igreja; mas é impossível acreditar que o novo estilo tivesse saltado já plenamente desenvolvido para a liturgia.
A primeira mudança no sentido da liberdade na música religiosa deu-se mediante o Conductus, que tinha um texto metrificado e era, como o seu título declara, música processional, influente por exigir música em notação compassada e vozes movendo-se juntas homofonicamente, e através das Clausula, nas quais um texto em prosa era musicado de modo cantochânico para tenor e duas ou três mais vozes que se moviam, não homofonicamente no mesmo ritmo, mas polifônica e livremente contra ela. A Clausula já era parte integrante de liturgia, mas o Conductus e o seu sucessor, o Moteto, eram acréscimos ao texto do ritual e podiam por isso ser tratados com maior liberdade pelo compositor. O Moteto, que se tornou a mais influente das formas musicais primitivas, aparentemente introduziu-se na Missa como acréscimo musical que se seguia ao Gradual. O Gradual era cantado, como o Cantochão sempre fora, por todo o corpo de cantores, ao passo que o Moteto era função de qualquer grupo de cantores preparados para executar a polifonia.
Naturalmente, o Moteto tirou vantagem das liberdades implícitas em ser uma intromissão extralitúrgica e devocional no serviço. Não raro tinha um texto, ou pelo menos se referia a ele, usado na liturgia em outros contextos, de modo que tinha também um cantochão em seu teor como em sua base musical, mas evoluiu numa variedade de aspectos estranhos e objetáveis para os tradicionalistas. Ele admitia acompanhamento instrumental e juntava diferentes textos nas diversas vozes; havia Motetos nos quais quatro ou cinco notas de uma melodia cantochânica eram tudo de que o compositor precisava; era, em outras palavras, a mais fecunda e influente das formas que a Igreja medieval desenvolvera, e os desafios que oferecia levaram a considerável evolução da técnica. Essa a razão pela qual em pouco tempo se transferiu das salas de banquete da aristocracia e veio a se tornar uma forma secular e religiosa - não raro parecendo uma canção para solo vocal com as suas demais partes (vozes) polifônicas destinadas a instrumentos.
Isso não isentava o compositor do contato com as palavras essenciais da liturgia. Só era permitido ao compositor glorificar o serviço mediante acréscimos aos seus textos. Os Tropos davam oportunidade ao escritor das Clausulae mas o prendiam de antemão a uma melodia cantochânica e ao texto que cresceu nela, de modo que, com o tempo, o Conductus e o Moteto mais livres foram mais promissores na evolução musical.
Embora o trabalho dos compositores fosse extralitúrgico, expunham-se aos invariáveis argumentos sobre o uso de música excessivamente complicada no culto. Quando o canto da Missa e dos Ofícios, relativamente cedo em sua história, ficou tão complicado que só cantores treinados podiam executá-los bem, as autoridades mais severas protestaram, alegando que a magnificência da música desviava a atenção das palavras do ritual, e observavam também que os movimentos, gestos e expressões faciais dos cantores ao cantarem música difícil eram, por sua vez, pouco edificantes e perturbadores da atenção.
A situação é difícil de esclarecer; enquanto a música harmoniosa, rítmica, compassada, e o acompanhamento instrumental se tornavam cada vez mais comuns, mesmo uma ordem religiosa tão severa como os cistercienses - descendentes dos beneditinos e criada como protesto contra o que São Bernardo, seu criador, achava ser conforto e luxo da antiga ordem - observava em 1217 que em algumas de suas casas os monges estavam cantando música a várias vozes, e no século XIV permitia construção de órgãos em suas igrejas.
A intromissão de música estranha ao cantochão no tratamento das próprias palavras litúrgicas, diferentemente de acréscimos extralitúrgicos ao texto do ritual, não parece ter seguido qualquer norma estrita e não foi automaticamente sujeita a censura pelas autoridades. Os queixosos cujas palavras foram utilizadas para representar a atitude conservadora não eram, afinal, autoridades musicais ou administrativas; exprimiam apenas objeção de ordem pessoal, embora influente, de religiosos, a algo de novo que achavam ser uma degradação do real propósito do culto. Em muitos lugares a música polifônica, como o Moteto, insinuou-se no serviço entre as seções da liturgia, porém as grandes obras dos compositores de Notre Dame eram não só litúrgicas, mas aparentemente encomendadas por autoridades eclesiásticas. O Liber organi, através do qual suas obras ficaram conhecidas, contém seqüências de textos litúrgicos para a Missa e os Ofícios. Pode-se inclusive historiar a origem de algumas delas. O bispo Eude de Sally, em 1198, divulgou um edito a pedido do Papa, instituindo a comemoração da Festa da Circuncisão em 1º de janeiro, em lugar da duvidosa comemoração dos estudantes, a "Festa do Jumento", que antes ocupava o dia, e esse edito mencionava especificamente a música que seria cantada:
O responsório e Benedicamus [nas Vésperas] podem ser cantados como um triplum, um quadruplum, ou em órgão (...) O terceiro e sexto responsórios [nas Matinas] serão cantados em órgão, em triplum ou em quadruplum (...). O responsório e Aleluia [na Missa] serão cantados em triplum, quadruplum ou em órgão. (VIENNA, 2006)
Triplum e quadruplum significavam música a três ou quatro vozes, a ser cantada, no caso, como o órgão, para textos especificamente liturgicos. O trecho sugere que o enorme quadruplum Viderunt de Pérotin foi escrito - pois o texto é apropriado para as festas natalinas - para a comemoração da Festa da Circuncisão na Notre Dame. Um ano depois o bispo divulgou outro edito ordenando que, "na Missa, o responsório e a Aleluia sejam cantados em triplum, em quadruplum ou como órgão". Pode ser que outra obra prima de Pérotin, o quadruplum Sederunt principes (o texto é o intróito da Missa do dia de Santo Estevão) foi composto para 26 de dezembro de 1199, atendendo aos desejos do bispo Eude de Sully.
Mas à parte essas irrupções ocasionais da música na própria liturgia, o costume geral em muitos lugares parece ter sido que todo texto litúrgico fosse cantado no cantochão tradicional e que as peças polifônicas se insinuassem no ritual, como aconteceu com o Moteto, ou se juntassem às devoções extralitúrgicas que se tornavam cada vez mais populares no decorrer da Idade Média. Prestava-se grande devoção extralitúrgica à Virgem Maria; a sua Missa era cantada diariamente além da Missa própria do dia, e cantavam-se hinos ou uma Antífona em seu louvor todas as tardes diante da imagem dela. Essas práticas extralitúrgicas davam ao músico liberdade maior que a concedida para o culto diário, e é bem provável que as obras em louvor da Virgem, que superam em número qualquer outra obra religiosa sobrevivente da alta Idade Média, se devam não apenas à devoção pessoal do compositor, mas também ao fato de que o culto da Virgem Maria lhe permitisse maior liberdade de ação do que em outra circunstância. Assim, o novo estilo de música paulatinamente se apossou de palavras que outrora haviam sido sacrosantas.
A seqüência do "Ordinário", as partes da Missa tradicionalmente cantadas pela congregação, e a primeira Missa a que se pode atribuir nome do compositor - a de Machaut - foi provavelmente composta para a coroação do rei francês Carlos V em Reims, em 1364. A solenidade e pompa da ocasião explicam e escusam a sua audácia revolucionária; porém, mais de um século antes, as palavras do texto litúrgico já haviam começado a ser regularmente tratadas pelos compositores, não obstante os freqüentes ataques amargos à música religiosa "progressista".

3. ANÁLISE BIOGRÁFICA DO COMPOSITOR - GUILLAUME DE MACHAUT
3.1 História
Este compositor é sem dúvida aquele que na Idade Média ocupa o lugar de destaque no que toca a inventividade, génio, espírito inovador e versatilidade: ele marca o nascer de uma era na História da Música, influênciando todo uma nova corrente musical, a "Ars Nova", que representa um romper abissal com os cânones da música religiosa da Idade Média, nomeadamente pela introdução de várias linhas de canto simultâneas, ou seja, o nascer da chamada "polifonia", e pelo experimentar de um novo jogo de acordes até então interditos pelas regras da música religiosa. Isto porque até então certos acordes como as terças as sétimas ou as sextas, por serem considerados impuros, estavam intérditos de serem utilizados na música de Igreja: esta deveria ser representante da pureza e da perfeição de Deus e da Sua criação. Estas interdições, com compositores como Dunstable e Machaut, deixam de fazer sentido: a música havia evoluído, e não era já possível voltar atrás.
Machaut nasceu por volta de 1300 , na diocese de Rheims, e estudou muito provavelmente em Paris, foi poeta, compositor e cônego em Rheims, França, já então o centro do desenvolvimento de inovadoras teorias e práticas musicais. Em 1335, uma bula papal declara que este compositor teria sido desde há doze anos um clericus elimosinarus, secretário e próximo de João de Luxemburgo, rei da Boémia, e que o havia acompanhado por toda a Europa nas suas expedições. Ou seja, isto equivaleria a ser o músico da corte deste Rei. Em 1340, Machaut deixa esta sua posição para se dedicar à criação literária e musical.
3.2 Obras Profanas
As missas monofônicas de Machaut podem ser consideradas como uma prolongação da tradição dos troveiros na França. Entre elas encontram-se dezenove lais, e cerca de vinte e cinco cantigas, chamadas por ele de chansons balladées, mais conhecidas como viralai. A característica do viralai é a forma Abba..., na qual A representa o refrão, b a primeira parte da estrofe (que é repetida) e a a segunda parte da estrofe (que utiliza a mesma melodia do refrão).

Machaut também escreveu sete viralais polifônicos a duas vozes e uma a três vozes.
Foi exatamente nos seus viralais, rondeis e baladas polifônicas (as chamadas formas fixas) que Machaut ilustrou mais claramente as suas tendências da ars nova. Neles Machaut explorou as possibilidades da nova divisão binária, substituindo um ritmo triplo lento ou organizando o ritmo com base na divisão binária.
Uma das mais importantes realizações de Machaut foi o desenvolvimento do estilo da balada ou cantilena. Este estilo é exemplificado nos seus rondéis e viralais polifônicos. As baladas de Machaut, cuja forma é em parte uma herança dos troveiros, compunham-se normalmente de três ou quatro estrofes, todas elas cantadas com a mesma música e seguidas de um refrão.
Nos rondéis de Machaut, o conteúdo musical apresenta-se extremamente sofisticado, sendo um deles frequentemente citado como exemplo de maestria, quando o tenor canta “O meu fim é o meu princípio e o meu princípio é o meu fim”.

4. A MISSA DE NOTRE-DAME
4.1 Características do texto musical
A Messe de Nostre Dame, de Gillaume de Machaut, escrita em 1367 para a coroação do Rei Charles V da França, apresenta-se como uma obra de vulto e importância excepcionais. (ARTNET, 1997)
É de comum acordo entre os autores de história da música que Machaut parece ter sido o primeiro compositor a estabelecer "movimentos" distintos e interdependentes para uma composição: no caso da obra em questão, Kyrie, Gloria, Credo, Sanctus (com Benedictus) e Agnus Dei , todos em forma de moteto, criando, assim, um modelo e uma forma musical que servirá de padrão a todos os compositores que sucederão.
Essa obra vem a ser a composição que mais caracteriza a Ars nova, sendo que nela são empregadas complexas regras contrapontísticas, que trazem em si uma das características decisivas para todo o desenvolvimento da música dos séculos seguintes: a notação relativamente precisa das vozes e a mensuração do tempo; ou seja, o desenvolvimento da escrita musical.
Gillaume de Machaut escreve os motetos da Messe de Nostre Dame, fazendo-os "adquirir fisionomia temática, lógica de desenvolvimentos, evidência plástica e profundidade expressiva." (MAGNANI, 1989). Com essas características a forma musical da missa "ganha uma unidade que é garantida pela circulação periódica de algumas células rítmicas e de um motivo melódico." (MAGNANI, 1989).
As cinco partes da Messe de Nostre Dame são marcadas por uma poderosa superposição de vozes melódicas que se desenvolvem contrapontisticamente: tomando-se como base o canto gregoriano, com texto litúrgico em latim, sobrepõem-se-lhe uma segunda e uma terceira voz (moteto e triplum, respectivamente, ou chamadas de superius e contratenor altus), chegando-se em alguns momentos à superposição de até quatro vozes.
Os vocábulos do texto são executados nas vozes superiores, sendo que a melodia apresenta-se mais dinâmica em sua rítmica do que o canto gregoriano que a sustenta. O jogo polifônico caracteriza-se, assim, por uma sofisticada forma de manipulação do material sonoro e uma complicada notação musical para os padrões da época: evidencia-se uma mistura altamente elaborada de ritmos, vozes, melodias e índices sociais, na qual se procura experimentar livremente possibilidades inéditas de superposição e paralelismo musical.
O novo estilo polifônico presente nesta peça encontra-se diretamente vinculado ao desenvolvimento urbano, associado às contribuições dos moradores dos burgos - os "burgueses" - e aos senhores feudais (que agora despontam como detentores do poder, ultrapassando as limitações artísticas e ideológicas da Igreja Católica).
Sendo a obra musical que mais significativamente representa esse período histórico, a trama polifônica da Messe de Nostre Dame "[...] desenvolve-se [...] no interior da formação econômico-social do feudalismo, conjugada com a cidade medieval, ponto de emergência da produção artesanal autônoma. [...] Essa autonomia do trabalho artesanal urbano, que tornará possível a formação da categoria do trabalho livre, tem relação [...] com o desenvolvimento do trabalho de composição polifônica escrito, autoral, dando ênfase à autonomia da linguagem musical." (WISNICK, 1989)
A estrutura polifônica da obra em questão deixa patente essa aproximação entre o momento histórico no qual foi produzida e a sua autonomia estética que procura expressar o momento de humanidade que lhe é inerente. As vozes dos motetos que compõem os seus cinco movimentos apresentam-se entrelaçadas e defasadas, misturando-se em um conjunto de partes não simétricas que são, por sua vez, associadas dinamicamente umas às outras. Desta forma, essas vozes opõem-se ao agora fragmentado canto gregoriano que os sustenta.
É bom reforçar que essa complexificação do jogo polifônico, que de certa forma "encobre" o texto do canto gregoriano, obscurecendo-o - além de solicitar uma notação musical mais exata e precisa -, expressa esteticamente as novas e várias perspectivas que se descortinam para a sociedade da época, além, é claro, de preocupações estéticas e composicionais relativamente inéditas.
Assim, a fragmentação melódica e dos tenores (do canto gregoriano, portanto), o "espalhamento" das linhas melódicas em pequenos módulos rítmicos e as modificações dos modos gregorianos tradicionais, representam e expressam esteticamente a desestabilização político-teológica da Igreja Católica. Esses elementos "desorientam" o modelo musical eclesiástico, fundamentado na "harmonia das esferas".
Em função das inovações estruturais presentes na Messe de Nostre Dame, o antigo modelo musical do clero - homofônico e unitário - pode ser considerado não mais como sendo apenas de caráter cosmológico musical, mas sim como portador de aspectos sobretudo ideológicos que procuravam perpetuar a hegemonia e o poder da Igreja, agora abalados pela ascenção da classe burguesa (classe social esta que iniciava a sua trajetória em direção à tomada do poder).
Necessária e obviamente, as preocupações de Machaut ao compor a Messe foram predominantemente musicais e composicionais. No entanto, como toda grande e autêntica obra de arte, ela expressa e ao mesmo tempo ultrapassa o seu momento histórico, dando continuidade ao projeto existencial da humanidade como um todo.
Posto isto, pode-se identificar nesta obra três características fundamentais que se apresentam em simultaneidade:
1) a síntese e a confluência, em termos estéticos, do momento histórico em que foi produzida, representada aqui pelo canto gregoriano como linha melódica de base, embora fragmentada (poder eclesiástico), e pela diversificação rítmico-melódica das várias vozes (transformações sócio-político-econômicas e rompimento desestabilizador da ordem clerical);
2) a representação do rompimento da classe feudal como o poder religioso unitário vigente e novos direcionamentos políticos, sociais e econômicos (diversas vozes desenvolvendo-se paralela e simultaneamente);
3) o ultrapassamento de seu momento histórico, pela antecipação (estética) do método científico em bases empíricas, e os fundamentos do que viria a ser o sistema tonal (desenvolvimento da notação musical expresso na fixação das alturas e na mensuração temporal).
4.2 A análise do texto musical
Passando-se agora a alguns detalhes analíticos da partitura propriamente dita, percebe-se que toda a peça sustenta-se sobre a linha melódica do tenor, remanescente do canto gregoriano. As demais vozes são intercaladas entre as suas notas, desenvolvendo-se um jogo polifônico ágil e dinâmico, com um alto grau de complexidade rítmica (que se contrapõe à linearidade do canto gregoriano).
A Messe de Nostre Dame foi inteiramente composta sobre um cantoçhão, como era costume da época. Esse cantochão, porém, foi utilizado como tenor ou cantus firmus.
A tessitura polifônica se nos apresenta como se insurgisse do padrão do canto gregoriano que, concomitantemente, participa contrapontisticamente da trama polifônica das vozes superiores, muito embora durante toda a peça essas características apareçam de forma contundente.
Essa trama polifônica se caracteriza por um traçado rítmico que se desenvolve ciclicamente, mas retornando com periodicidade. Cria-se, desta forma, um ritmo padronizado ou isorritmo; cada delineamento rítmico, por sua vez, recebe o nome de talea. As demais vozes se entrelaçam abaixo e acima do cantus firmus. Essa característica da peça apresenta-se, no contexto da hipótese aqui apresentada, como sendo extremamente significativa, se se levar em conta que, analogamente, o poder eclesiástico - aqui simbolizado pelo canto gregoriano - se encontrava sutilmente envolto pelas perspectivas sócio-político-econômicas da burguesia em formação, o que veio a ser o principal motivo de sua desestabilização.
Um outro composicional utilizado pelo compositor é a fragmentação melódica, ou hoqueto - que se relaciona, do ponto de vista sócio-ideológico, com a fragmentação do poder eclesiástico e a diversificação de idéias no século XIV - propiciando a estruturação de segmentos melódicos extremamente reduzidos que, separados por pausas, delegam a obra uma singular pulsação rítmica. O hoqueto, sendo associado às duas vozes do pentagrama superior, caracteriza-se por um discurso melódico em forma de síncope contrapontística.
4.3 A análise da partitura
As observações foram feitas na partitura do Agnus Dei, editada no FINALI 2006.
O Agnus Dei da missa é da forma ABA, e na cadência final, observado juntamente com seu âmbito temos que o mesmo está no modo LÍDIO. Observamos as extensões de cada parte sendo: Dó2 até Mi3 no Contratenor Bassus, Dó2 até Fá3 no Tenor, La2 até Dó4 no Contratenor Altus e por fim Dó3 até Dó4 no Superius.
O Color no superius vai do primeiro até o terceiro compasso. A estrutura isorítimica começa no qui tolis - quer dizer, depois da entonação de cada agnus (Agnus III repete o Agnus I). Como a seção do canto do qui tollis é idêntico em Agnus I e II, as duas declarações disto constituem o dois colors. O primeiro color (Agnus I) tem duas taleas sendo cada uma com doze notas e, o segundo color (Agnus II) seis taleas sendo cada uma com quatro notas (NAWM, 19?? ).
Além do tenor, o contratetnor de triplum são também completamente ou em parte isorítmicos. As duas partes superiores estimulam o ritmo com síncopa quase constante. Um motivo característico que esboça um trítono é ouvido várias vezes (compassos 2, 5, e 25, e na forma ornamentada em 19), também em outro movimentos da missa.
Observa-se que o estilo do canto é MELISMÁTICO (várias notas entoadas para uma sílaba).
A ocasião para a qual o trabalho foi escrito deveria ter sido um de solenidade incomum e magnificência, como já mencionado.



5. CONCLUSÃO
Toda produção artística, embora impregnada pelas características de seu momento histórico específico - e, eventualmente, pela ideologia da classe dominante de determinado período -, é, não obstante, portadora de uma autonomia em relação a esses fatores, que a qualificam como uma produção humana repleta de significações estéticas e existenciais que proporcionam o ultrapassamento do momento histórico no qual foi engendrada.
No caso da peça analisada no presente trabalho, as relações sociais do período medieval ontegram simbolicamente a sua estrutura composicional, sobretudo pela presença do canto gregoriano (homofônico, linear e centralizador, atuando como base para a polifonia) e do texto litúrgico, além da dinâmica rítmica e da diversidade melódica (expressando a nova ordem social urbano-burguesa).
Contudo, essas relações sociais não condicionam necessariamente a estrutura significante subjacente à peça; ou seja, o momento de humanidade que está além de qualquer disputa entre classes ou grupos sociais: as significações inerentes à esfera existencial e da experiência de vida que ultrapassam qualquer momento histórico específico.
[...] Através de sua forma estética, a arte é amplamente autônoma diante de determinadas relações sociais. Na sua autonomia, a arte tanto contesta quanto transcende essas relações. Assim, a arte subverte a consciência dominante, a experiência comum. A universalidade da arte não pode ser baseada no fato de representar a concepção de vida de determinada classe, porque a arte focaliza uma humanidade universal, que nenhuma classe em si pode incorporar, nem mesmo o proletariado, a "classe universal" de Marx. A interpretação de alegria e tristeza nas vivências, de celebração e desespero, Eros e Thanatos, não pode ser dissolvida em problema de luta de classes." (OSTROWER, 1990)
A Messe de Nostre Dame, a obra de maior envergadura da polifonia européia medieval, sintetiza a noção de tempo métrico que, subjacente à ideologia clerical dominante, expressou os anseios e expectativas de grande parte da população européia da Idade Média, ou seja, a instauração de uma nova ordem sócio-político-econômica que possibilitasse a realização desses anseios - subverta, assim, a "consciência dominante" da época.
A instauração dessa nova ordem se deu apenas quatrocentos anos depois da criação do sistema polifônico, sendo que o método científico moderno foi um dos principais instrumentos de dominação da classe burguesa. A burguesia começa a ascender já no século XIV, e a plicação teórico-prática da mensuração temporal do jogo contrapontístico da música polifônica irá se impregnando lenta e gradativamente na mentalidade de homens e mulheres da Idade Média. A influência dessa música extrapola os seus atributos estéticos:
A motivação dos músicos medievais não era nem científica nem filosófica [muito menos social ou ideológica]. Eles apenas queriam aprender que espécie de música podia ser criada combinando-se várias linhas melódicas, e que leis governam essas relações. Mas essa música gerou um impacto muito além da esfera artística. Registros contemporâneos não o refletem, uma vez que ninguém estava consciente dele. A mudança foi em percepção, não em conceitos [sem grifo no original]. No entanto, na teoria da polifonia é que os problemas da medição do tempo real foram estudados em primeiro lugar, e as soluções aplicadas, e foi em sua prática que uma civilização emergente se educou para perceber o fluxo do tempo como um processo que não era derivado do Sol ou da Lua ou do movimento de corpos ou de qualquer outra causa primária, e que podia ser tratado da mesma forma que uma dimensão espacial. E, já que essa percepção era indispensável à evolução da ciência moderna, a música polifônica pode reinvidicar ser um de seus pais."
Mesmo estando a produção musical polifônica vinculada ao poder sócio-político-econômico da Igreja, a polifonia de Messe de Nostre Dame deixa transparecer a ideologia inerente à sua estrutura composicional. A sua força e o potencial transformador e revolucionário, contudo, apenas se consumarão séculos mais tarde, com o acvento da ciência moderna e seu método empírico.
Para aqueles que julgam ser a arte da música apenas uma mera diversão ou um mero passatempo - ou, ainda, um empreendimento humano carente de significações transformadoras da realidade - têm, no exemplo da obra analisada, a mais expressiva demonstração de que a música está significativamente qualificada a operar profundas transformações, não apenas a nível estético e/ou artístico, mas em áreas do conhecimento que aparentemente não possuem relação direta com seus procedimentos específicos.
Vale reforçar que o presente trabalho, fruto de várias leituras e várias pesquisas na internet, com visitas a inúmeros sites, é de fundamental importância no que concerne a novas percepções não apenas na estética musical mas no contexto histórico subtendido e analisado por pesquisadores de outras áreas de conhecimento, que contribuiu para ampliação de nossos conhecimentos, validando que é sendo sempre proveitoso este tipo de avaliação que proporciona não apenas as trocas de experiências em grupo, como também, aumento da leitura, crescimento de informação, comparação das informações e por fim, com a aprendizagem que é o nosso objetivo.



REFERÊNCIAS

ARTNET. Gillaume de Machaut. Disponível em: Acesso em em 21 set 2008.
BRASILESCOLA. Crise do Século XIV. Disponível em Acesso em 21 set 2008.
MAGNANI, S. Expressão e Comunicação na Linguagem da Música. Belo Horizonte: UFMG,1989
MUSICAEADORACAO. Modos antigos. Disponível em: Acesso em 21 set 2008.
SPECTRUMGOTHIC. Música Medieval. Disponível em Acesso em 21 set 2008.
OSTROWER, F. Acasos e criação artística. Rio de Janeiro: Campus, 1990.
SZAMOZI, G. Tempo & Espaço : as dimensões gêmeas. Rio de Janeiro: Zahar, 1988.
TIOSAM. Organum. Disponível em: Acesso em 21 set 2008.
VIENNA. Ambiente Medieval. Disponível em < http://www.geocities.com/Vienna> Acesso em 21 set 2008.
VIOLAO. Idade Média. Disponível em: Acesso em 21 set 2008
WIKIPEDIA. Guillaume de Machaut. Disponível em: Acesso em 21 set 2008
WISNIK, J. M. O Som e o Sentido: Um outra história das músicas. São Paulo: Companhia das Letras: Círculo do Livro, 1989.